segunda-feira, 2 de março de 2015

2ª PARTE DA CONVERSA COM ÂNGELA MINGAS

 
"É  arrogância os arquitectos pensarem que são os autores da cidade"
Nesta ultima parte da conversa Ângela Mingas toca em temas candentes da cidade como a sustentabilidade, mobilidade, identidade, o musseque e o ambiente, abre o "livro"  falando de Luanda que considera uma "não-cidade" em colapso ambiental. A investigadora e docente universitária não tem dúvidas em afirmar que os arquitectos não são os únicos actores/autores da cidade, entende que  há valor numa "arquitectura sem arquitectos".  A nossa interlocutora emite a sua opinião abalizada sobre o perfil intelectual do arquitecto angolano, diz  quem são os arquitectos que fazem parte de uma  "linha de sedução" que quer perceber;    

    Ângela Mingas(fonte: www.google/publico.pt/)
 

Quando fala da arquitectura e africanidade, a quem considere, tal como Mia Couto quando fala dos "sete sapatos sujos", que há frases ou apelos que ficam, como a identidade, a sustentabilidade que se falam mas não passam de mera retórica. Acha que demos algum passo em relação a arquitectura identitária, para além de falar disso em fóruns?
Nós em Angola não, porque acho que posso dizer que a maior parte da arquitectura que se faz em Angola não é produzida por angolanos, e nem sequer são Africanos. Tanto é assim que nós enquanto classe reclamamos disso, sabemos que esta arquitectura é desenhada por um perfil de arquitectos que não nos "pertence". Quando eu falo da questão identitária eu falo de tudo aquilo que do ponto de vista simbólico (semiótica da arquitectura) corresponda à africanidade. O que nós utilizamos na nossa arquitectura condiz com a cultura europeia, o que é normal já que fomos colonizados por europeus. Consequência: quando olhamos em redor, o que mais vemos são princípios estéticos e signos europeus mais do que propriamente africanos. E o de lamentar é que tentar um discurso diferente redunda no argumento prosaico de que arquitectura africana são cubatas (o que é triste) quando a resposta estaria no resultado que se poderá ter após crítica arquitectónica consciente às obras de Francis Kéré (exemplo bem sucedido de arquitecto contemporâneo africano) e de Alexandre Costa Lopes (exemplo bem sucedido do arquitecto contemporâneo angolano), tentando perceber o que do ponto de vista sígnico, será comum entre um  e o outro.
Rem Koolhas diz que há o conceito de sustentabilidade, mas parece não passar de uma coisa retórica ou um mero "ornamento". Ângela, nos seus pronunciamentos muitas vezes aborda a questão da sustentabilidade. Numa sociedade como a nossa que passos estão a ser dados em direcção à sustentabilidade nas várias vertentes?
Não estou de acordo com a opinião de Rem Koolhas embora saiba que traduzir um conceito para que ele se transforme numa ferramenta não seja tarefa fácil. Do que tenho estudado, a sustentabilidade do ponto de vista arquitectónico tem que suportar o binómio estabilidade- equilíbrio de qualquer sociedade (cultural, económica, social, ambiental). O truque passa por não perder de vista duas escalas: a macro e a micro, ou seja, a cidade e o edifício. Sempre como cenários, nunca como protagonistas. Se por um lado, à escala da cidade, o binómio estabilidade-equilíbrio passa pela análise crítica da forma urbana (habitação, equipamento, estrutura verde e sistema viário) já à escala do edifício os pressupostos passam pela famosa tríade Vitruviana ( Venustas, Firmitas, Utilitas) e pelo Locus. No nosso país e com base na explanação que fiz, falta-nos regulamentar (e cumprir) estes princípios e quem sabe algum dia, certificar as "boas práticas" na área da sustentabilidade. Aí, posso falar daquilo que me dizia sobre a questão da estrutura verde e o colapso ambiental de Luanda…

" Luanda é uma não cidade em colapso ambiental" 
 
Permita-me cita-la: " Luanda é uma não cidade em colapso ambiental". São suas palavras e assume-as?

Assumo e posso explicar: a questão da não-cidade tem a ver com a perspectiva dos estudos de Maslow, (Pirâmide de Maslow), ou seja, com toda a noção de qualidade de vida que é preciso que uma cidade nos confira. Portanto uma cidade não é uma aldeia, a cidade não é só casa, a cidade dá até ao pico da pirâmide, conforto, disponibilidade e auto-estima ao cidadão, isto é que é uma ideia de compreensão da qualidade da cidade e é uma referência em tudo, os tais parâmetros da forma urbana: habitação, serviços, mobilidade e ambiente (qualidade de ar). Quando eu falo da não-cidade, eu falo do cidadão de Luanda não ter acesso, do ponto de vista da qualidade de vida, a estes parâmetros superiores. Quando tenho que andar 30 quilómetros para ir ao serviço eu não estou dentro destes parâmetros, quando demoro 40 minutos ou 1 hora para andar 2 quilómetros de carro, está errado, ou da insatisfação da conquista do emprego e do sucesso pessoal e profissional. Quando estes factores da vivência do cidadão são analisados (desde o primeiro até ao último dia do ano) e os resultados estão abaixo dos indicadores, chega-se à ideia da não-cidade;
E o colapso ambiental? 
Sustento isto outra vez dentro da ideia da sustentabilidade, que implica estar em equilíbrio nos quatro pilares (ambiental, social, cultural e económica). Vejamos: os estudos da OMS, do ponto de vista ambiental, dizem-nos que os espaços urbanos devem ter, por uma questão de oxigenação/qualidade do ar, o equivalente a 10 m2 de área verde por cidadão. Tivemos um ano com os estudantes a fazer estudos, e chegamos à conclusão de que dos 100% que a mancha urbana (de Luanda) deveria ter, só tem 7%. Quando olhei para os resultados conclui que alguma coisa estava errada e perguntei-me o que eu faria com aquelas estatísticas? Na altura, a minha mãe que é bióloga disse: "estamos com má qualidade de ar" e aquela constatação ficou retida. Naquela altura, o segundo indicador da mortalidade das crianças depois da malária eram doenças cardiorrespiratórias. Temos uma cidade que não tem verdes, qualidade do ar baixíssima, e o segundo indicador de mortalidade infantil são doenças cardiorrespiratórias provocadas….
   
   Trânsito caótico em Luanda
À sustentabilidade junta-se à mobilidade. Neste aspecto Luanda é um sério problema e algumas cidades do País começam a ter as mesmas preocupações, numa altura que Jaime Lerner diz que o "carro é o cigarro do futuro", gostava que comentasse isso;
Eu adorei esta metáfora. Julgo que o problema de Luanda é uma questão de gestão, e quando digo gestão estou a dizer mesmo má gestão, do ponto de vista do uso de solos, e isto naturalmente vai complicar. Não há cidades perfeitas, do ponto de vista do desenho urbano nada é ideal, tudo é adaptável, tudo é em conformidade com aquela realidade específica, mas nós na cidade de Luanda tivemos um processo de readaptação de uso de solos de tal maneira fora do normal que de repente temos uma polarização de uso de solos, centralização excessiva, despolarização habitacional, esvaziamento de espaços, obsolescência, ou seja, criamos ao longo destes anos um estado de sítio para a utilização da cidade. Então, a esta altura do campeonato até corrigir estes últimos anos vai demorar gerações;

Ângela é defensora acérrima do musseque com a sua geometria fractal com a sua orgânica, mas a crítica que se faz é que quem faz o musseque não é o arquitecto. Então muita gente tem dificuldade de reconhecer o valor de uma coisa produzida da forma como os musseques acontecem. Pode explicar isso?
É de uma arrogância tremenda os arquitectos pensarem que eles são os autores da cidade, eles não são. Julgo eu que Rudofsky conseguiu provar isso com aquele livro brilhante que ele escreveu "Arquitectura sem arquitectos", que não é um grande livro do ponto de vista da literatura, mas sim da imagem. Rudofsky prova neste livro que a forma da cidade não é feita por nós, ela é optimizada por nós (arquitectos) e algumas cidades como Brasília são desenhadas por nós. Normalmente a cidade desenhada por arquitectos corresponde às vezes a princípios e estratégias políticas, sendo o caso de Brasília exemplo disso. Mas Brasília não é só aquilo que Lúcio Costa e Oscar Niemeyer desenharam, existe outra Brasília mais orgânica e igualmente interessante…
Então, a ideia do musseque não é defender a má qualidade de vida das pessoas, é defender a genesis do musseque. Neste momento nós ainda estamos num processo de compreender exactamente o quê que ele é como fenómeno centenário e oriundo de Luanda. Primeiro pelo sentido etimológico da palavra "museke" que significa areia vermelha, segundo por ter sido a primeira realidade de segregação que se gera quando se fundou Luanda e quer a literatura quer a cartografia histórica referencia o "muceque" como espaço para além do foral da vila, e terceiro pela mutação de significados que vêm desde o período esclavagista passam pelo colonial até ao republicano. Portanto, nós temos aqui séculos de construção do que é de facto o "musseque", e temos desde o musseque de ocupação espontânea até o musseque perfeitamente planeado. Fala-se do Bairro operário, será que o BO não é musseque? Claro que é, porque o conceito de musseque é o lugar de terra vermelha, o Bairro operário quando foi pensado não era para ser asfaltado, porque o lugar dos negros não é para ter asfalto. Embora as ruas fossem desenhadas e ortogonais o princípio "musseque" estava lá. Quando falo do musseque, estou a incluir não só o Bairro Operário (planificado) mas outras realidades como o Morro da Maianga (o conhecido Catambor) até a Ingombota (bairro indígena do séc. XVII-XVIII). O que o musseque tem é gente, e o que faz cidade não é somente o cenário, são as pessoas quando vivenciam. Se eu tiver um projecto todo bonitinho e não tiver lá gente "aquilo" não será lugar, não será cidade.

"É de uma arrogância tremenda os arquitectos pensarem que eles são os autores da cidade"

Musseque em Luanda(fonte: Google)

O antropólogo Patrício Batsikama fala do musseque físico, social e mental, fala até de musseque nas edificações verticais…
Ele anda apaixonado também com a ideia dos musseques. Acho que o que o Batsikama está a fazer é começar a pegar neste assunto, que começa em termos de arquitectura ligado à forma do espaço, mas neste momento, musseque é um conceito que ainda ninguém consegue definir… Aliás, o significado de musseque alastrou-se a tudo que é negativo, quer seja do ponto de vista físico ou mental. Vamos ver se reunimos pensadores para tentar criar um ponto de partida.
Há pessoas que defendem a ideia de que algum musseque deve ser demolido, o que acha?
Bem, existem alguns lugares que…, meu Deus, aí já não é possível habitar. Serão Musseques? E se forem, de que tipo são? Existe um estudo da Development Workshop que faz uma categorização muito interessante dos Musseques em Luanda. O CEICA, está a elaborar conceitos e ferramentas de análise da ocupação espontânea. Precisamos de saber separar o trigo do joio porque nem tudo que está degradado é musseque. Como diria o Paulo Flores; "Nem todo o resto é sobra". Por essa razão, sou contra a demolição de alguns lugares da cidade. Eu estou a falar daqueles espaços que começam a ser originalmente, ainda na época colonial, espaços de estratificação, porque na era colonial havia espaço para os brancos e espaço para os negros. E esta herança dos espaços da cidade que começa com o Bairro Operário, Golfe, Marçal, Rangel, Catambor, Prenda etc, são lugares da cidade que do meu ponto de vista têm direito de existir pela diferença. A ideia da defesa do musseque tem a ver com necessidade de se encontrar na abordagem da cidade o respeito pela diferença. Há espaços na cidade de Luanda que não têm que ser alienados, podem ser optimizados. Quando se vai à Lisboa, vai andar pelo Bairro da Alfama e vai abrir os braços e tocar nas paredes das casas, de tão estreitas que são aquelas ruas. Se for à Veneza ou Sevilha (onde eu vivi), se for a qualquer cidade parecida, a apropriação do espaço do espaço feita pelo homem nunca é feita em linha recta, esta (a linha recta) é a ditadura do modernismo, o que vemos nos musseques em Luanda é tão legítimo em termos de apropriação de espaço como nós vemos em todo mundo. E é este livro dos anos 60 de Rudosfky que nos ensina que há arquitectura sem arquitectos;

    Unidade de vizinhança do Prenda
 
Na série de conversas que fomos fazendo introduziu-se sempre este elemento, aliás quando falamos com o Arqº. Victor Leonel, analisamos o facto de Angola com 24 milhões de habitantes ter apenas 800 arquitectos inscritos, verifica-se que quem projecta e constrói a maior parte das edificações não são arquitectos. Que comentário quer fazer sobre o fenómeno que se pode chamar "arquitectura sem arquitectos" no nosso contexto?
O comentário que posso fazer é que essa "Arquitectura sem arquitectos" (a que prevalece na ocupação espontânea nas cidades), é tão legítima quanto a arquitectura erudita, academicista. Mais ainda, é a mais antiga…
Tem valor?
 
Claro que tem que ter valor, é aquilo que o homem constrói. Agora, nós enquanto arquitectos temos é que ter capacidade suficiente para intervir nestes espaços e melhorar a qualidade de vida das pessoas. É aqui que começa o desafio. Nós temos que ter não só a capacidade preparar um atleta de alta competição, como a de tratar de um doente. Não se pode julgar que o formato da Avenida António Barroso com o seu traçado Modernista seja mais legítimo que a forma do Catambor. Que arquitecto é capaz de lá entrar (Catambor), com a sua forma irregular/orgânica e reabilita-lo? Cidades como Sevilha, Lisboa, Veneza e tantas outras, fizeram intervenções para optimizar as suas áreas mais antigas (também de ocupação espontânea) sem recorrer a processos de demolição desenfreada. São exemplos tão bem conseguidos que até já atingiram categorias de património mundial da humanidade. Resumindo, importa anular a noção de que a única abordagem que o arquitecto faz é a da "tabula rasa" e meia dúzia de quadradinhos para edificar o que é até chamarem-nos de incompetentes.
Como secretária da DOCOMOMO ANGOLA (Comité de Documentação e Conservação do património Arquitectónico do Movimento Moderno), gostaríamos que nos informasse, depois daquela apresentação formal o ano passado no Hotel Epic Sana, como estamos?
O Plano de actividades foi feito para o biénio 2014-2016. Em 2014 conseguimos estruturar e sermos reconhecidos em Seul o que foi o topo. Para o ano de 2015 estão previstas três eixos. O eixo administrativo com o espaço DOCOMOMO, formalizar os membros que se inscreveram para apoiar a candidatura, entrar na fase administrativa para toda estrutura DOCOMOMO pós candidatura e a constituição da associação. O eixo da investigação com as parcerias com as Universidades que têm cursos de arquitectura, vamos estar a fazer programas de investigação científica sobre arquitectura moderna ao longo do País. O eixo da divulgação em parceria com a Campanha Reviver que já tem um sistema implementado desde 2009, e com quem o DOCOMOMO está a prever a criação de tours guiados pela cidade sobre os edifícios da arquitectura moderna;
E já estão a olhar para além do centro e ver o que tem a periferia em termos de arquitectura moderna?
 
Claro que temos que sair do centro. Existem muitas intervenções modernistas que estão na periferia da cidade que hoje já não é periferia. Por exemplo, a Unidade de Vizinhança do Prenda na altura da independência era periferia, hoje é parte da cidade;
 
Porquê que não temos bibliografia produzida por arquitectos angolanos?
 
Eu acredito que não haja mercado, porque o arquitecto é absorvido pelo mercado da construção e da imobiliária. O mercado da arquitectura é muito pequeno, é um mercado académico que não tem muito espaço. Bom, nós enquanto escola estamos a produzir fontes primárias de informação, mas estamos a falar de monografias específicas, objectos de estudo, portanto ao fim de dez anos, agora estamos em condições de publicar, No entanto, aquilo de que estamos a falar é da análise crítica da arquitectura, que é a opinião do arquitecto. O arquitecto por norma é mais cronista, ensaísta e candidata-se a revistas de arquitectura. Nós por exemplo, não temos uma revista de arquitectura ou de cultura arquitectónica, tudo isso acho que tem a ver com o interesse directo do arquitecto. Eu pessoalmente não me revejo nisso porque escrevo muito e as minhas publicações são normalmente colectivas e de seminários ou outros sistema de trabalho internacionais. Tenho artigos científicos publicados pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna, Academia Internacional das Escolas de Arquitectura de Língua Portuguesa, Bienal Internacional de Arquitectura de São Paulo, sem contar com Ensaios para revistas e jornais da especialidade e não só. Estou a fazer uma recolha desse material para publicar porque acho que seria interessante. Para além disso, quero ver se publico o meu mestrado e doutoramento.
Como avalia o perfil intelectual do arquitecto Angolano no geral. Há quem considere o arquitecto angolano o intelectual menos dotado, acha que os nossos arquitectos são cultos, gostam de estudo e investigação?
Os arquitectos com os quais lido somos nós. Eu acho que isto tem a ver não necessariamente com as pessoas mas com aquilo que a sociedade nos transforma. O arquitecto é um servidor público. O arquitecto em Angola de uma maneira geral não é um criador, não é estimulado a ser assim. Imagine se tivessem feito um concurso de ideias para um novo edifício da assembleia nacional, eu estou a imaginar uma exposição com o projecto da Ângela, do Gameiro, do Crisóstomo…vamos trabalhar, fazer coisas e há um mercado que nos absorve. Quando se diz que "o arquitecto é o intelectual muito pobre" eu entendo porque o arquitecto tem que ser um personagem de cultura, então até toda a literatura em volta da arte designa o arquitecto como primeiro artista, porque ele mexe com aquilo que é necessidade básica do homem, então nós enquanto autores, enquanto criadores temos que estar ao nível de um músico, de um escritor. Agora vamos ver que outros artistas nós temos em Angola, temos escritores, músicos, pintores, temos uma nata de criadores aqui, alguns mais ou menos interessantes, mas temos uma expressão forte nos nossos criadores. No arquitecto, somos funcionários públicos, e o grande objectivo do arquitecto é fiscalizar obras porque é o mercado que o absorve.
Lembro-me numa palestra que proferiu na união dos escritores, maka à quarta-feira, dizia que não estava nesta coisa "mundana"(a palavra forte é sua) do mercado da imobiliária. Quando disse que fugiu disso a que se referia especificamente?
Confrontei-me no mercado imobiliário com uma história que num projecto pediu-se para eu colocar mais pisos no edifício, havia condicionantes do plano de massas mas o cliente dizia que "se tirares uns centímetro por piso se calhar consegues ter mais um". Quando vou falar com o director do Gabinete em que trabalhava ele diz-me " vê lá o projecto se dá…". Quando eu me apercebi, num diálogo com os colegas, que havia questões de princípios fundamentais que não existiam e eram vistos como banais, aí virei-me para a academia, comecei ainda a fazer projectos mas chegou uma altura que a academia exigia muito de mim. Eu tive que parar, aliás nos últimos 3 anos, eu não faço projecto por causa das questões relacionadas com o doutoramento, mas agora vou voltar;
    Ângela Mingas numa palestra na Maka à quarta-feira(Fonte: acrimar.co.ao)
Com que arquitectos é que se identifica? Falemos de nomes;
Até com Corbusier (..risos..), embora eu o acho um ditador. Brincadeiras à parte, eu gosto principalmente de arquitectos que são verdadeiramente diferentes. Tenho uma verdadeira sedução pelo trabalho de Francis Keré, ainda dentro dos africanos tenho admiração de Luyanda Mpahlwa , o Joe Addo, David Adjaye e Issa Diabaté. Estes arquitectos são aqueles que fazem parte de uma linha de sedução que eu quero perceber, pela forma brilhante como têm usado a semiótica africana para a sua arquitectura e isto para mim é do tipo "Uau! Afinal também pode-se fazer" ;







 





~
Escola do ensino secundário em Gando( Burkina Faso) por Francis Kéré

Os arquitectos ocidentais…
Dos arquitectos ocidentais, principalmente aqueles que eu já estudei, eu não me deixo seduzir muito por esta vertente, gosto ir muito atrás do arquitecto pela vertente social, e há um arquitecto que é fundamentalmente um investigador, um nome que poucos conhecem, Hubert Guillaud. Este homem fundou há 30 anos o Centre de Recherche de Architecture de Terre – CRATerre sob a chancela da ENSAG em Grenoble, França. A obra dele ao pormenor é brilhante, porque tem a ver com arquitectura de terra, tem a ver com a revitalização daquilo que não é cidade, que é rural mas também é humano, é espaço de gente, então esta perspectiva social do arquitecto, este valor intervencionista da qualidade de vida do homem é o que me apaixona. Com muito orgulho digo que o CEICA trabalham em parceria com a CRAterre desde 2009.
 
Falando desta sua ideia da arquitecta no feminino, vem-me a mente o facto de que algumas vezes olha-se para a mulher enquanto arquitecta, espera-se que ela se encante com o glamour ou pela exuberância da forma, mas não sinto isso em si…pensei que  gostasse muito da obra de Zaha Hadid por exemplo…
Também gosto de Zaha Hadid, é uma grande arquitecta, mas acho que do ponto de vista estético não é uma coisa que me chame muito, já lhe disse, eu deixo-me seduzir mais pela obra de Issa Diabaté, de Luyanda Mpahlwa, portanto o apelo estético vai mais para este lado do que pelo outro. Mas eu tenho que ter muito respeito por Siza Vieira e todos os grandes nomes da arquitectura mundial, é preciso tirar o chapéu a eles, mas não é por aí.
Eu por exemplo, dentro de Angola, acho extraordinária/fantástica a obra de Vieira da Costa, mas tenho mais apego pelo Castro Rodrigues, gosto mais dele porque do ponto de vista da textura, da composição eu gosto mais, não sei porquê, talvez pela escala;

    Arquitecto Sul Africano, Luyanda Mpahlwa e sua obra de intervenção social
   
A forma da arquitectura é muito importante para si?
A forma para mim não deve ser um mero exercício estético. Ela (a forma) tem que ser consequência, tem que ser uma afirmação por outros valores, senão é um manifesto da arrogância. Portanto a forma da arquitectura é consequência daquilo que ela representa quer como objecto estético quer seja como objecto funcional… se assim não for, serão apenas andaimes com peles de vidro…

"A forma para mim não deve ser um mero exercício estético"
Há quem fale de uma arquitectura mais comercial, contemporânea que se faz em qualquer centro urbano do mundo, com panos de vidro. Qual é a sua opinião sobre o equilíbrio com a nossa realidade tendo em atenção as nossa especificidade climática?
Para mim arquitectura tem que estar adaptada ao local, se isso não acontece, então não é boa arquitectura é um fenómeno de construção. A partir do momento em que o arquitecto não utiliza o desenvolvimento tecnológico de forma a criar uma arquitectura sustentável ele não está a ser socialmente responsável. Não é porque se pode passar férias na lua, ou construir um igloo na Ilha de Luanda que o mesmo tenha que acontecer. É preciso ter consciência.
 

3 comentários:

  1. Felizmente já tive a oportonidade de acompanhar além da TV, algumas intervenções da Arqta. Ângela na ULA (Universidade Lusíadas de Angola), nos fóruns organizados pelo departamento por ela orientado. Pude participar em duas das Charretes organizadas nestes fóruns (2011 e 2012) onde além de interagir diretamente com a Arquitecta, obtivemos como grupo de estudantes representantes da UPRA (Universidade Privada de Angola) reconhecimento positivo. Pelo pouco e ao mesmo tempo, rico contacto com ela, apraz-me dizer que é uma das Arqtas angolana que tenho como referência e teria muito gosto em ter sido seu instruendo. Faz uma análise da arquitectura num contexto além de apaixonado, muito realista. Faz uma análise crítica da situação arquitectónica em Angola e aponta soluções viáveis para sua resolução

    ResponderEliminar
  2. Obrigado a Acrimar por mais um objectivo alcançado com êxito. A abordagem que a arquitecta faz sobre a sustentabilidade é muito interessante, especialmente por lembrar que falar de sustentabilidade na vertente arquitectónica deve-se levar em conta as escalas Macro e Micro e que os 3 princípios de Vitrúvio traduzidos (Estética, estabilidade e funcionalidade) são fundamentais para a caracterização da sustentabilidade arquitectónica. Diz bem a Arqta quando conclui que para o êxito neste percurso é necessário regulamentar e fazer "cumprir" estes princípios; logo vê-se que recai uma grande responsabilidade aos técnicos inseridos no aparelho do estado no sentido de agirem com ´rigorosidade´ ao analisar os projectos que entram em suas repartições e submeter ao licenciamento aqueles que cumpram razoavelmente bem os parâmetros de sustentabilidades na escala Macro e Micro; eis onde reside o problema, pois, além da ausência de regulamentos, por mais boa que seja a intenção do técnico em fazer cumprir o que poderá ser regulamentado, há situações que os "transcendem" enquanto funcionário de base, acredito que enquanto haver estas dificuldades caminharemos a passos muito lentos rumo a boa prática de sustentabilidade na vertente arquitetónica em especial.

    " Luanda é uma não cidade em colapso ambiental". Quando a arqta aborda a pirâmide de forma urbana (habitação, serviço, mobilidade e ambiente) faz-me lembrar o comentário de nossos ´pais´ que quando os jovens atualmente desabafam sobre como têm estado fisicamente esgotados pelo trajeto de casa até ao local de serviço, têm dito: "os jovens de agora estão muito ´relaxados´ reclamam de barriga cheia, nos nossos tempos...nós caminhávamos a pé até o local de trabalho."

    Esses comentários têm uma dose de razão, mas um aspeto a levar em conta é o seguinte: Quantos (km) de distância tinham que percorrer até os seus locais de serviço? Muitos até ainda se davam o luxo de ir almoçar em casa, dormir um pouco e depois voltar ao serviço, porque a relação (habitação Vs. serviço) era de proximidade. Logo, o percurso era a pé e uma vez que existia um número controlado de automóveis e em termo de ambiente existia uma área verde considerável, podemos dizer que havia relativa qualidade de vida em relação a esta era. com tantos automóveis estamos constantemente a inalar o "monóxido de carbono". Hoje o cidadão de Luanda não tem 8 horas de trabalho, mas 12-13 horas, pois são mais 2h30 de trânsito ao ir e 2h30 ao voltar... chega no local de trabalho já esgotado e ainda tem esforçar-se em apresentar resultados satisfatórios ao empregador. Para onde estamos a caminhar?

    ResponderEliminar
  3. Sobre o colapso ambiental, voltamos na mesma tecla: quem aprova os projectos para a sua execução? Os técnicos além da competência que lhes cabe e que com certeza as têm... há necessidade de terem autoridade e autonomia de reprovarem os projectos que não cumprem com os requisitos de sustentabilidade nem obedecem aos parâmetros estabelecidos internacionalmente e não haver posterior intervenções hierarquicamente superiores a exigir a aprovação do mesmo. Axo que o problema não reside simplesmente em criar regulamentos, mas criar metodologias para que se cumpram estes regulamentos. É muito preocupante quando em um país já foi como segunda causa de morte as doenças cardiorrespiratórias, por qualidade baixíssima de ar.
    Ali falamos um pouco do Av. Murtala Mohamed, Eixo viário, Kinaxixi, etc... zonas em que estão a nascer monstruosos edifícios, mas de espaços verdes... 1%

    Tem-se plantado várias palmeiras nas vias, o que é bom. Mas em muitas vias, principalmente as novas vias que estão em construção fora do centro da cidade "ignora-se" a aplicação de árvores, já várias vezes ouvimos a alegação de que é caro a arborização( palmeiras por ai 4000 usd/árvore). Bem, as palmeiras realmente proporcionam uma bela imagem paisagística . O que dizer da sombra, o processo da fotossíntese? Talvez algumas mais económicos dariam maiores resultados em outras zonas fora e no centro da cidade.

    Quanto a metáfora do Arqto Jaime Lerner, diria que o "o carro já é o cigarro em Luanda". Só falta os dados indicarem quantas pessoas morrem por ano por inalarem os gases tóxicos (monóxido de carbono) emitidos pelas viaturas. É só imaginarmos quanto de gás inalamos quando estamos presos no engarrafamento num total de 4-5 horas por dia, principalmente para quem não tem AC na viatura, os passageiros dos táxis, os cidadãos nas paragens de transportes, os vendedores ambulantes que ficam no meio das estradas... Não há dúvidas, estamos a caminho de um colapso ambiental se não revertermos esse quadro.

    ResponderEliminar