quinta-feira, 12 de março de 2015

ENTREVISTA COM SIMÕES LOPES DE CARVALHO

 
"O PLANO DIRECTOR NÃO SERVE PARA DAR LUGAR A CONSTRUÇÃO"
Fonte: Semanário angolense(2011)

Fernão Lopes Simões de Carvalho, o autor do primeiro plano de Urbanização de Luanda , natural de Luanda é o homem que criou o gabinete de urbanização de Angola, nos primórdios dos anos 60, tendo, em 1962, projectado o plano de urbanização do então distrito de Luanda.

Trabalhou no plano dos lotes do prenda, as chamadas unidades de vizinhança, projectou o bairro dos pescadores, na Ilha de Luanda e a zona do Futungo de Belas. Nesta conversa com o semanário Angolense, o urbanista emite a sua opinião em relação a ilha artificial que está a se erguer na baía de Luanda e, enquanto mais velho, apresenta-nos a receita para um êxito de um profícuo plano de urbanização.

É este experimentado arquitecto, que trabalhou com o prestigiado urbanista Le Corbusier, que o SA entrevistou, a margem do X congresso da União Africana dos Arquitectos, decorrido em Luanda, de 14 a 17 de Junho de 2011.

Por: Cláudio Fortuna

SA- Como vai para a arquitectura?
SC- Fui, porque o meu pai chegou a essa conclusão. Frequentei o liceu salvador Correia somente durante três anos, e porque o meu irmão mais velho não havia conseguido grandes notas no liceu e foi para o ensino particular, o meu pai achou por bem mandar-nos para metrópole, para Lisboa a fim de estudarmos. Posto lá, entusiasmei-me com a arquitectura ou seja, sempre tive vontade de fazer projectos, casas, porque me fazia muita impressão ver todas as manhãs, milhares de empregados indígenas descerem as barrocas e irem trabalhar. E como tinha convivido com eles nos meus quintais, ainda hoje tenho umas medalhas nas pernas que adquiri nesta altura, porque andava na terra a brincar com eles, que eram feitas com cacos de garrafas, não sei porquê, mas o facto é que ainda hoje tenho estas medalhas nas pernas. Então, tive sempre o desejo de fazer arquitectura, na altura até fiz um concurso para o superior técnico, julgando que era o engenheiro que fazia casa. Depois, cheguei a conclusão que não era o arquitecto. Então, fui para a arquitectura e, a certa altura, tive de cumprir o serviço militar, e porque estava dispensado das aulas deixei de assistir, então compassava com leituras de uns livros do Gasson Bardé, que foi um grande professor de urbanismo, na Bélgica, e também no norte de África, Linbandine Blandumir e Pierre Surtie. Comecei a estudar esses livros na tropa, porque não podia ir às aulas, quando fosse às aulas de urbanologia, que era na altura como se chamava em Lisboa, no largo da biblioteca, ao pé do Chiado, cheguei à conclusão que eles também não me ensinavam nada de urbanismo, que o professor Paulino Montez, que ate era o director só dava parte de glométrica, dizendo que, se quiséssemos que a cidade se expandisse para um determinado sítio, teríamos de colocar lá um parque. Foi o que fizeram com o parque Bom Santo e pouco mais ensinava, havia o assistente, Rui Teixeira que nos mandava fazer um plano de urbanização de umas termas, ah! Já sabia mais do que eles, através dos livros que estava estudar da Bélgica, do Gasson Bardier, então cheguei a conclusão que tinha de ir aprender urbanismo e achava que era pouco estudar somente aquilo.
Entusiasmei-me e um dia, fui a boleia dada por um rapaz aqui de Angola, Rui Martins da Silva, cujo pai era dono do primeiro arranha-céus que se fez na marginal, que era um homem dos cafés e casou Barbahã, filha do Dante Barbahã.
Eles foram daqui de Angola, iam para Paris, e eu disse-lhe que gostaria de ir para Paris e pretendia aproveitar a boleia deles, por isso, fui pedir uma bolsa de estudos no Governo, por meio do Instituto da Cultura Português, disseram-me que não davam bolsas à arquitectos que não tivessem já o diploma. É claro que já tinha o curso, só queria ir defender uma tese, acabei por ir para Paris de boleia e fazer o curso de urbanismo, ao mesmo tempo que começo a trabalhar com Le Corbusier, numa sua equipa, que era dirigida por Andrew Bonjasky, autor dos projectos de execução de Le Corbusier.
SA- Como foi ter contacto com um gigante da dimensão de Le Corbusier?
SC- Em Portugal, tive contacto com um arquitecto do Porto, que me dizia que era muito difícil entrar no escritório de Le Corbusier, mas como sempre fui muito ambicioso, logo quis ir para o melhor e como o melhor na altura era o Le Corbusier, fui. Depois tive dificuldades em entrar e trabalhar com ele, mas lá lutei e consegui entrar para a equipa, dirigida na altura por Andrew Bonjasky, que desenvolvia os projectos de Le Corbusier.

SA- E a experiência de estar em Paris e depois a vinda para a Luanda trabalhar nos seus primeiros planos directores?
SC- Repare, quando acabei o curso de arquitectura, a tese defendia-se uns anos depois de fazer um estágio, e tinha necessidade de fazer um estágio, que fiz, primeiro no gabinete do arquitecto Lima Franco e Manolo Potier. Lima Franco era um arquitecto que fazia quase todos os planos de urbanização da cidade de Lisboa, foi aí onde conheci um desenhador que, sabendo que eu era de Luanda, que queria vir para cá fazer um estagio, disse-me assim: o melhor que tem a fazer é ir para Luanda e aprender urbanismo, porque vi que com o Lima Franco e Manolo Potier não aprendi urbanismo, quem fazia lá urbanismo era desenhador, de que não me lembro o nome agora. Foi esse desenhador que me aconselhou a ir para o gabinete de urbanização do Ultramar, que era na Alameda Afonso Henriques, em Lisboa. De repente Fiquei a pensar como é que havia de entrar!
Num determinado dia, ia passar pela Marques Pombal, cá em Luanda, tive cá um professora de canto coral no liceu, e, ao passar pela Marques de Pombal, surge um indivíduo, chama-me, dá um abraço e diz assim: eu sou Macho da Cruz, o que você esta aqui a fazer? Respondi-lhe, olha acabei de fazer o curso de arquitectura, tenho de fazer uma tese, mas tenho de fazer primeiro um estágio, que gostava de fazer no gabinete de urbanização do Ministério do ultramar, mas não sei como hei-de fazer.
E ele diz-me assim: mas você quer ir ao gabinete de urbanização? Está bem. Puxou um cartão que dizia qualquer coisa Machado da Cruz, cone de Kalus, perguntou-me: mas quem é que o director? Disse-lhe que era o arquitecto Aguiar e o Círios Cruz. Então fez-me um cartão dizendo: Caro amigo, vai um meu protegido, que gostava muito de trabalhar consigo. Quando chego, fiquei convencido que o arquitecto Aguiar nem conhecia o cone de Kalus. Mas o que sei dizer é que ele mandou-me esperar e me admitiu no gabinete de urbanização do Ultramar, onde já havia outros estagiários, mas passado pouco tempo a quem eles tratavam por arquitecto, mesmo sendo ainda diplomado. Quando lhes disse que queria aprender urbanismo, ficaram admirados, mas também o arquitecto Aguiar não fazia urbanismo, quem, fazia afinal os planos era o desenhador que me tinha aconselhado a ir para lá. E digo, oh aqui também não aprendo nada, porque, no fundo, todos os planos que vocês viram ali, projectos na comunicação da Manuela da Fonte, são planos sem uma base de inquérito preliminar da população, sem uma base profunda do estudo da terra, da topografia, da construção, geológica, nada disso! Eram feitos no Ministério do Ultramar, eram mais desenhos que outra coisa, que, afinal de contas, não eram concretizados, porque não tinham uma base que deve existir no urbanismo, que é a resolução dos estudos preliminares dos inquéritos a população, os inquéritos ao clima, ao terreno, tudo isto tem de ser feito, e eles lá não faziam. Digo então, tenho de me ir embora, vou para Paris, fui pedir uma bolsa ao Instituto da Cultura, disseram-me que só davam as pessoas com diploma, foi assim que, em 1955 fui para a França.

SA- Em que Universidade estudou em Paris?
SC- Foi na Sorbonne , que era o Instituto de Urbanismo da cidade de Paris, faculdade de letras de Sorbonne. Depois, e como tinha deixado amigos no gabinete de urbanização do ultramar, quando houve os concursos para os planos directores em Angola, avisaram-me, mas como não tinha o diploma, que só vim a defender seis anos depois, porque até não era preciso a tese, o próprio director do Instituto passou-me um papel a dizer que estava apto e que quinze dias depois teria o diploma. E tinha o papel de Le Corbusier, dizendo que estava a trabalhar com ele e que estava apto a fazer arquitectura sozinho, mas o que sei é que não me ligaram nenhuma, com a única razão de já havia outras influências e outros programas de fazer o plano de urbanização daquela zona, que haviam sido impostos ao Ministério.

SA- Como foi criado o Gabinete de Urbanização de Angola?
Quando cá cheguei, apresentei-me ao Gabinete, mas a Câmara não me recebeu. Mandei dizer isto ao Ministério do ultramar, foi o próprio ministério do ultramar que me enviou para liceu Salvador Correia, onde passei a dar aulas de geometria descritiva. Quer dizer, eles sabiam, porque vim parar a Angola com passagens pagas pelo Ministério do Ultramar, eu, a minha mulher e os meus bebés, num barco que se chamava o Kwanza.

      Plano para o Bairro dos pescadores Ilha de Luanda/Arq. Simões de Carvalho 1963(Fonte: Manuela da Fonte 2012)

SA- Quantos planos projectou para Luanda?
SC- Oh! Não sou capaz de lhe dizer, porque, a certa altura, os planos directores não servem para construir, o que permite a construção são os planos de pormenor. Depois da célebre reviravolta das catanas, como a gente lhe chamava, que matou muita população indígena e europeia, indiscriminadamente na altura, tive necessidade de propor ao Presidente da Câmara, que se passasse imediatamente aos planos de pormenor, que havia de permitir a construção, por exemplo, do Bairro dos Ferreiras, que fica entre a Avenida do hospital e a de Serpa pinto, havia um bairro de moradias antigas. Dada a proximidade do centro, propus logo a habitação colectiva, quer dizer, tinha de se fazer um reajustamento parcelar ou seja, unir vários lotes de casas para fazer blocos de habitação colectiva, porque se precisava uma densidade de população no centro também. Tudo isto foi feito no gabinete de urbanização, sob minha orientação, houve muitos planos desses. Por exemplo atraiu-se o J.Pimenta, que era um grande construtor em Lisboa, veio para cá construir, desenvolveu-se o António Campino, entusiasmou-se de tal forma com esta cidade que quis fazer por detrás da estátua da Maria da Fonte, ao Kinaxixi, chegou a projectar lá no gabinete uma catana, era uma estátua a catana, porque, no fim de contas, despertou a vontade de fazer isso andar para frente. Depois começou-se a fazer planos de pormenor que permitiram construir em Luanda coisas já baseadas nos planos de pormenor, porque uma coisa que se deve fazer é que o plano director não serve para dar lugar a construção, são os planos de pormenor que dão lugar a construção e devem criar uma disciplina arquitectónica. Isso você pode ver nas minhas maquetas, que fizeram o gabinete de urbanização, dá logo a volumetria e o tipo de construção a fazer. A área de acesso ao pilar ou não, dá tudo, isto é o regulamento dado por mim, directamente.
Eles não encontram coisas escritas, umas das coisas que me foram perguntadas em Lisboa, foi esta gente que agora encontrou coisas minhas no gabinete, perguntaram-me se não havia nada escrito. Respondi que, tudo bem, posso dizer o que é que há, porque, a certa altura, o plano director já estava na minha cabeça, e num esquema de escala 2500, estavam as grandes linhas mestras, no entanto, era para fazer unidades de vizinhança.


















Unidades de vizinhança do Prenda/Arq. Simões Lopes de Carvalho(Fonte. Google)
 
SA- Particularmente na baixa de Luanda, quais foram as zonas em que esteve envolvido como urbanista?
SC- Bom! Houve o Comando Naval, que era para limitar a certa altura que os técnicos das Câmaras, quer em Portugal continental quer nas Províncias Ultramarinas, como lhes chamavam, eram muito mal pagos, o que gera a corrupção, e porque eles tinham de alimentar as famílias e os ordenados eram tão baixos que nem dava para alimentar as famílias, que tinham que fazer projectos por fora. Por exemplo, vivi particularmente no Rio de Janeiro e nunca precisei trabalhar mais de seis horas por dia.
Em Portugal e aqui trabalhava-se dia e noite, sábados e domingo, e os arquitectos dos serviços oficias eram sempre mal pagos, dai gerasse a corrupção. Toda vida combati a corrupção, e que o governo da província fazia? Como não queria projectar para as zonas que odiava, dava-me edifícios para projectar, por exemplo, ganhei o concurso do centro da emissora oficial, que é hoje, a Rádio Nacional de Angola. Ganhei porque? Porque, quando defendi a minha tese, que preparei enquanto estava em Paris, havia ido visitar os centros de televisão franceses, depois fui a Londres, ai preparei uma tese, que defendi em Lisboa. Foi um centro de televisão que estudei em Paris e em Londres, quando fui defender, era o professor Brandão, que já conhecia de Angola, cujo pai foi director do hospital Maria Pia e coronel médico.

Edifício da Radio Nacional de Angola, projcto de Simões Lopes de Carvalho(Fonte: Google)

O filho andou comigo na escola primária, cá, e nas explicações do célebre Augusto Chaviata, que era professor fabuloso, e do professor Teixeira. Ah, umas das grandes praças que projectei para a baixa, era a praça das Portas do Mar, que ia do Banco de Angola ate aos correios, em homenagem ao antigo Cais que ali existia e onde os barcos desembarcavam, ainda não havia aquele molho do porto, isto foi antes de eu ir para Portugal, na década de 1940. Nessa altura, não havia o porto de Luanda, os barcos atracavam na Baia, onde também fundeavam, e depois viam-se gasolinas, que eram pequenos barcos que levaram os passageiros até as Portas do Mar. Tenho na minha memória que as portas de Mar passavam assim uma grande praça que, infelizmente, não se fez.


 Perpectiva do Edifício da Faculdade de Medicina-Luanda/Arq. Simões de Carvalho 1963(Fonte: Manuela da Fonte/2012)

SA- Gostava de ouvir a sua virtude de razão em torno dos condomínios fechados, porquê que tem uma aversão aos condomínios?
SC- Tenho, porque o condomínio é uma segregação, não se pode fazer um plano de urbanização assim desta maneira, um plano de urbanização só é valido se promover o desenvolvimento económico, social e cultural das populações. Você acha que o condomínio fechado vai contribuir para o desenvolvimento do pobre que existe em Luanda, daquele? Os indivíduos que estão aqui a morrer a fome à volta? Não vai!

SA- Isso implica exclusão Social, arquitecto?
SC- Claro! Já esta a criar, e está provado que, no mundo inteiro, onde houver exclusão social, há revoltas da população, há crimes, há tudo mas, a revolta é própria dos podres em relação àqueles que vivem nos condomínios. E com que razão é que eles fazem os condomínios? Dizem ser questão de defesa, francamente, a defesa é compreendida ao povo que nada tem? Desde que ele seja educado a perceber que tem de trabalhar para chegar onde o outro chegou. Os meus pais não eram ricos, faço os planos para ver se as populações todas enriquecem e não para empobrecerem, é para enriquecerem, é só com contacto entre as várias categorias sócias que os mais pobres se desenvolvem. Portanto, os condomínios fechados são segregações, e não pode haver segregação numa cidade.

SA- Como viu a destruição do mercado do Kinaxixi?
Mal, porque era uma obra de um grande arquitecto, que foi o Vasco Viera Da Costa, uma obra de um movimento moderno, pode dizer-se que pertencia ao movimento moderno e que poderia mudar-se-lhe a função, se quisessem, podia transformar-se num centro comercial, mas destruir...muito mal! Sei que é um grupo económico de grande potência que lá esta a construir mais uns monstros que vão descaracterizar aquela parte da cidade, não acho que tenha sido uma boa solução.

SA- Tem-se dito que aquela zona do Kinaxixi é uma área sensível, por causa do nível freático…
SC- Sem dúvida nenhuma, nível freático, não digo. Mas a baixa de Luanda é uma zona sensível, sei por exemplo, que na baixa, a um metro, encontramos a água do mar, e estão a fazer caves na baixa, com não sei quantos pisos, as fundações desses prédios custam uma fortuna, está a se desperdiçar muito dinheiro. Sei que Angola é muito rica, mas está-se a deixar perder muito dinheiro estupidamente, a baixa de Luanda não podia ter prédios altos. Se a ilha de Luanda um dia desaparecer, com o degelo que está no pólo norte, a água dos mares que estão a aumentar. Em Portugal, por exemplo, a zona de Kaxis e partes está em risco de ser inundada, a Ilha de Luanda e a baixa de Luanda, também, vão também um dia sofrer esse impacto, esses tsunamis que temos, caso um dia isso cá chegue. Tudo se está a fazer erradamente, fazer caves para estacionamento na baixa de Luanda, quanto é que você julga que deve estar a custar? Uma fortuna louca, porque aquilo é água, está-se a desperdiçar dinheiro, assim como os vidros que são usados aqui.

SA- Há um projecto megalómano do governo angolano que é de construção de um milhão de casas. Enquanto arquitecto urbanista, acha que é possível fazer-se nesta legislatura?
SC- Acho muita pressa, e continuo a dizer que, se esse um milhão tiver em consideração a habitação do povo, habitação dos indivíduos que vivem hoje nos musseques, se construírem para as populações que vem dos musseques, essas populações não vão saber habitar naquilo, não se vão sentir bem. Devem, primeiro, passar pelos tais bairros-escolas antes de irem para essas habitações. Ouvi dizer que estavam a fazer blocos de habitação colectiva com vários andares para por as populações que vão sair do musseques, não pode, eles não sabem habitar naquele espaço. Os portugueses, já lhe disse, na Europa, não conseguiram isso, as banheiras serviam de celeiros, os corrimões das escadas eram vendidos, porque eram economicamente débeis, não tinham dinheiro, então retiravam os corrimões e vendiam os ferros para terem dinheiro. Ora isto são coisas que acontecem a nível europeu, quanto mais entre nós!
SA- Precisamos de outros bairros indígenas?
SC- Não, precisamos de bairros-escolas, os bairros indígenas não podem ser só bairros indígenas, temos de fazer a mesclagem, que são tais unidades de vizinhança, não podemos fazer só bairros em que as várias categorias sócias se misturem, não podemos agarrar e fazer só casas para um tipo de população economicamente débil, não podemos, temos de as misturar com populações de mais rendimentos. Quando fizermos isso, não será preciso fazer-se condomínios fechados, os vizinhos nunca atacam os vizinhos, porque sentem apoio neles, as raízes são estas, é convivência social que é preciso promover.

SA- Há quem diga que no plano de De Groer continha uma componente do verde muito acentuada…
SC- Sim, mas o meu também tinha, previa, depois de toda esta zona, e para já, por detrás do aeroporto, era uma linha de àgua que era transformada, com cerca de quinhentos metros de largura, em zona verde, e em cada uma daquelas partes havia uma zona industrial, com quinhentos metros de largura. Depois havia zonas de habitação, para separar a zona industrial da zona de habitação, era tudo verde, passava do plano radicocêntrico para o plano linear ao longo da costa, a caminho do Kwanza. É o que se está a fazer, mas com os condomínios fechados, em vez de fazer com unidades de vizinhança, em que se misturariam as varias etnias e as varias categorias sociais.

SA- Segundo se diz, Vasco Viera Da Costa defendia muito a circulação dos ventos nos seus planos, o que sabe sobre isso?
SC- O Vasco Viera Da Costa não tinha plano para Luanda, pelo menos não conheço.

SA- Pelo menos nos seus projectos, havia essa componente, como foi o caso do Mercado do Kinaxixi, e do edifício das Obras Publicas?
SC- Ah! Isso está bem, mas é de Arquitectura. Repare que o edifício das obras publicas esta integrado no plano de massa que fiz da baixa de Luanda. Ainda eu estava no Gabinete, ele foi ter comigo a pedir regras para projectar aquele edifício, ele cumpriu e fez muito bem, porque era, de facto, um grande arquitecto. Agora, é preciso ter-se em consideração que Angola não tem só um clima, toda a parte costeira, a parte marítima, é dum clima, mas o interior já não é um clima igual, não precisa de ventilação transversal. No interior, temos climas frios secos, ambientação transversal interessa para a parte dos climas litorais e tem as brisas marítimas, que são frescas e podem promover a frescura para uma ventilação transversal.

SA- Enquanto arquitecto-urbanista, quais são os requisitos fundamentais para se fazer um bom plano de urbanização?
SC- Antes de mais nada, constituir uma equipa pluridisciplinar, envolvendo geográficos, sociólogos, demógrafos, historiadores, antropólogos, indivíduos que conhecem a qualidade dos solos, agrónomos, hoje, é prioritário criar-se aldeamentos agrícolas no interior, para fixar as populações, porque a população não vive do petróleo, não come petróleo, só está a enriquecer o estrangeiro que vem cá busca-lo, determinadas classes políticas e mais nada, é preciso dar alimentação ao povo, o povo sabe cultivar a terra, é fácil, é a terra, a agricultura, a pastorícia e a pesca que tem de ser desenvolvida.

1 comentário:

  1. O primeiro plano de urbanização de Luanda foi realizado por De Groer e David Moreira da Silva em 1942. O plano foi encomendado pela Câmara Municipal de Luanda e foi aprovado em 1943. Fernão Lopes executou o Plano de 1961/1966 como chefe do Gabinete de Urbanização. Foi um plano inovador com base nas directrizes da Carta de Atenas, realizando uma boa parte das directrizes do plano de De Groer.

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