“O ARQUITECTO NÃO TEM QUE SER UM
BOM DESENHADOR OU ARTISTA”
Arqª. Isabel Martins(Foto: Angop)
Por: C. Martinho e E. Samaria
Nesta ultima parte da conversa,
inevitavelmente falamos dos estilos/correntes arquitectónicas com destaque para
o “contestado” modernismo que Isabel Martins considera marcante e que está
vivo, a tentar sobreviver dos anti moderno e os anti vida. A nossa
interlocutora também aborda as novas tendências do urbanismo, a introdução do
computador no ensino e prática da arquitectura, sem deixar de responder às
questões “provocadoras” que alguns segmentos da nova geração de arquitectos têm
levantado;
Falando
do movimento moderno e a sua relevância, há quem
se questione por que razão reflectir hoje sobre um movimento dos anos 20 que
foi fortemente contestado. Qual é a sua impressão sobre este assunto?
A minha impressão é que o movimento moderno
foi um movimento excepcional de aproximação da arquitectura ao homem. Foi a
partir de todos os questionamentos do principio do século XX que redundaram numa série de postulados
que a habitação é feita exactamente de acordo com a medida do homem. E não é
por acaso que aparece o modulor, que
é uma recriação porque, realmente ele foi criado por Leonardo Da Vinci, mas foi
recriado no sentido de que o homem tem medidas e essas medidas devem ser
aplicadas aos lugares em que trabalha para faze-lo com conforto, com alegria e
os espaços estarem dimensionados de acordo com as funções que aí se
desenvolvem. Por isso o movimento moderno é um movimento muito marcante.
Então,
o modernismo “morreu” ou “está vivo”?
Não morreu, está vivo. Na verdade está a
tentar sobreviver. Por aquilo que você vê hoje em dia nesses exemplos
por aí que são anti movimento moderno, anti homem, essas caixas todas fechadas
que você não consegue avistar a natureza, que você não consegue apanhar ar
fresco na cara, porque são paredes de vidro
fechadas,
com ar condicionado, quer dizer, se a máquina pára você morre asfixiado sem
circulação de ar. Ainda por cima, do ponto de vista estético, são monstruosos. Portanto, é muito mais delicada uma Ville Savoye, que um edifício destes, (Ville
Savoye) respira por tudo quanto é sítio, tem amplas janelas, terraço jardim,
tem tudo, coisa que não se vê nesta nova arquitectura;
É possível
separar o modernismo puro, daquilo que hoje se chama arquitectura contemporânea?
A arquitectura contemporânea é a arquitectura
das novas tecnologias. Porque esses edifícios, não funcionam se você não tiver tecnologia. E nem é o
High-Tech, porque High-Tech é uma coisa diferente. Isto são tendências da arquitectura
em que se você não tem màquina para as fazer
funcionar, não tem arquitectura. E isso é tão verdade que eu tenho uma casa no Miramar e não
preciso ligar o ar condicionado quando está calor. São casas bem construídas...
Modernismo?...
Não
é modernismo, mas é arte de saber construir...
Falando de tendências, qual é
o seu conceito de centralidade urbana?
No fundo tudo isso já está dito e redito
há muito tempo. Porque quando você começa a ver na Europa o
aparecimento de cidades satélites, está a falar de novas centralidades. O que está a acontecer com estas novas centralidades é
exactamente o que se passou com as cidades satélites por lhes faltar a
componente da geração do trabalho, com consequências notórias em Luanda, nos movimentos pendulares e na mobilidade
urbana no geral.
Qual é a sua opinião sobre os planos que estão a ser
desenvolvidos para Luanda?
Nunca
ninguém me chamou para pedir a minha opinião , também não quero dá-la....
As primeiras gerações de
Arquitectos são taxadas de serem muito teóricas e mais viradas à academia.
Aqueles que têm a “mão na massa”, ou seja, os que trabalham em projecto(muitos
são produto desta escola) dizem que eles estão a realizar obras. Que comentário
faz sobre o assunto?
E
quem vai ensinar, são eles? Vamos outra vez
importar professores para ensinar arquitectura? Hoje temos o privilegio de
dizer que temos nesta escola de
arquitectura apenas
três professores estrangeiros. Conseguimos realmente formar pessoas que são capazes
de fazer o ensino da arquitectura. Se esses têm que pôr
“mão na massa”, como dizes, quem vai ensinar? Nós temos aqui alguns
deles, recém
licenciados, estamos a ensina-los à dar aulas. Eu, por exemplo sou produto daquilo que é o ensino, desde o primeiro momento. Fui monitora, acabei o
curso e depois fui assistente estagiaria. Portanto, acho que estamos no bom
caminho.
Professora, o que é que
representa Vasco Vieira da Costa para si? Passa-se a ideia de que os professores fizeram
dele o ícone(único) da arquitectura angolana, “beatificando-o”.
Não . Vasco Vieira da Costa não é o ícone/único
da arquitectura angolana. O que acontece é que
temos de falar e fazer justiça à aqueles que tomaram Angola como o seu País, primeira
questão. Segunda questão, aqueles que realmente desenvolveram neste País, uma
arquitectura de referência. E Vasco Viera da Costa está entre eles. Mas também
tem o Simões de Carvalho, tem o Castro
Rodrigues......arquitecto Campino entre outros.
A arquitecta Manuela da Fonte diz que “ A arquitectura de Angola tem muitos pais e mães” está de acordo com
esta afirmação?
Estou, é claro! Porque é preciso saber
distinguir aquilo que significa alguma coisa na arte de projectar e construir e aquilo que é igual ao “Zé Maria da esquina”. Porque quando se fala
destas pessoas, você está a encontrar alguma coisa que não é comum. Mas
também há outros exemplos, estou agora a
lembrar dos irmãos Cirilo que construíram o cinema Miramar.
Para
si quais são os arquitectos de referência que se tenham destacado em Angola no pós-independência?
Não estou lembrado de ninguém com um trabalho interessante[risos]....
E em África?
Ao nível de África
tenho como referência o arquitecto Egípcio Hassan Fathy que
realmente valorizou a sua formação de arquitecto na recolha de materiais de
construçao e também na aplicação dos princípios tradicionais da vida dos egípcios.
Ele, de facto, é um arquitecto fora de série.. É um arquiteto que esteve
no movimento moderno quando tinha que estar, mas
que se dedicou completamente à arquitetura dos pobres.
Já
para irmos encerrando a nossa conversa , quer falar um pouco sobre
a introdução do
computador no ensino e prática da arquitectura, para efeitos de desenho rigoroso e a relação disso com o desenho à
mão?
O que eu devo dizer quanto a isso é que o arquitecto não tem que ser bom desenhador. O arquitecto produz
criatividade, cria. O que é preciso é mostrar essa criatividade. Porque eu
posso criar dentro da minha cabeça coisas fantásticas, mas se não as
reproduzir, ficamos na mesma. Ou tenho um compincha que entende as minhas criações ou lucubrações e que consegue
reproduzi-las ou não. Isso para dizer que o arquitecto não tem que ser um artista. Ele
tem que saber reproduzir num papel as ideias que tem. E se tem meios que
facilitem essa reprodução , que as utilize. Nós
estamos na época das máquinas. Agora, você tem que aprender o desenho que o arquitecto utiliza, que é o
desenho técnico rigoroso. E depois quando souber utilizar esse desenho, já não há problema nenhum em
utilizar a máquina.
O
espaço
rural parece não ser alvo de estudos profundos no domínio da arquitectura, como
acontece com a cidade. O arq. Claudio Carlos defende a necessidade de olhar
para o ruralismo com maior seriedade, que podia ser um factor de equilíbrio
para contrapor a pressão sobre o meio urbano. Qual é a sua apreciação?
Realmente não se houve falar muito do espaço
rural na arquitectura porque as pessoas não
têm interesse.
Mas no nosso plano curricular existe
preocupação com o
espaço rural de tal forma que no terceiro ano nós fazemos vivenda urbana e
vivenda rural. Porque a arquitectura não está só na cidade, mas é difícil as pessoas saírem desta cidade…
Para terminar , quer deixar
uma mensagem para a classe?
Que
sejam arquitectos com “A” grande. É isso
que eu desejo e que acima de tudo está o conforto e o bem-estar do homem.