quarta-feira, 26 de agosto de 2015

CONVERSA COM A ARQ. ISABEL MARTINS(2ª Parte)


“O ARQUITECTO NÃO TEM QUE SER UM BOM DESENHADOR OU ARTISTA”

 


                                                               Arqª. Isabel Martins(Foto: Angop)
 
 
 
Por: C. Martinho e E. Samaria

Nesta ultima parte da conversa, inevitavelmente falamos dos estilos/correntes arquitectónicas com destaque para o “contestado” modernismo que Isabel Martins considera marcante e que está vivo, a tentar sobreviver dos anti moderno e os anti vida. A nossa interlocutora também aborda as novas tendências do urbanismo, a introdução do computador no ensino e prática da arquitectura, sem deixar de responder às questões “provocadoras” que alguns segmentos da nova geração de arquitectos têm levantado; 

 

Falando do movimento moderno e a sua relevância, há quem se questione por que razão reflectir hoje sobre um movimento dos anos 20 que foi fortemente contestado. Qual é a sua impressão sobre este assunto?

A minha impressão é que o movimento moderno foi um movimento excepcional de aproximação da arquitectura ao homem. Foi a partir de todos os questionamentos do principio do século  XX que redundaram numa série de postulados que a habitação é feita exactamente de acordo com a medida do homem. E não é por acaso que aparece o modulor, que é uma recriação porque, realmente ele foi criado por Leonardo Da Vinci, mas foi recriado no sentido de que o homem tem medidas e essas medidas devem ser aplicadas aos lugares em que trabalha para faze-lo com conforto, com alegria e os espaços estarem dimensionados de acordo com as funções que aí se desenvolvem. Por isso o movimento moderno é um movimento muito marcante.

Então, o modernismo “morreu” ou “está vivo”?

Não morreu, está vivo. Na verdade está a tentar sobreviver. Por aquilo que você hoje em dia nesses exemplos por aí que são anti movimento moderno, anti homem, essas caixas todas fechadas que você não consegue avistar a natureza, que você não consegue apanhar ar fresco na cara, porque são paredes de vidro fechadas, com ar condicionado, quer dizer, se a máquina pára você morre asfixiado sem circulação de ar. Ainda por cima, do ponto de vista estético, são monstruosos. Portanto, é muito mais delicada uma Ville Savoye, que um edifício destes, (Ville Savoye) respira por tudo quanto é sítio, tem amplas janelas, terraço jardim, tem tudo, coisa que não se vê nesta nova arquitectura;

É possível separar o modernismo puro, daquilo que hoje se chama arquitectura contemporânea?

A arquitectura contemporânea é a arquitectura das novas tecnologias. Porque esses edifícios, não funcionam se você não tiver tecnologia. E nem é o High-Tech, porque High-Tech é uma coisa diferente. Isto são tendências da arquitectura em que se você não tem màquina para as fazer funcionar, não tem arquitectura. E isso é tão  verdade que eu tenho uma casa no Miramar e não preciso ligar o ar condicionado quando está calor. São casas bem construídas...

Modernismo?...

Não é modernismo, mas  é arte de saber construir...

Falando de tendências, qual é o seu conceito de centralidade urbana?

No fundo tudo isso já está dito e  redito há muito tempo. Porque quando você  começa a ver na Europa o aparecimento de cidades satélites, está a falar de novas centralidades. O que está a acontecer com estas novas centralidades é exactamente o que se passou com as cidades satélites por lhes faltar a componente da geração do trabalho, com consequências  notórias em Luanda,  nos movimentos pendulares e na mobilidade urbana no geral.

Qual é a sua opinião sobre os planos que estão a ser desenvolvidos para Luanda?

Nunca ninguém me chamou para pedir a minha opinião , também não quero dá-la....

As primeiras gerações de Arquitectos são taxadas de serem muito teóricas e mais viradas à academia. Aqueles que têm a “mão na massa”, ou seja, os que trabalham em projecto(muitos são produto desta escola) dizem que eles estão a realizar obras. Que comentário faz sobre o assunto?

E quem vai ensinar, são eles? Vamos outra vez  importar professores para ensinar arquitectura? Hoje temos o privilegio de dizer que temos nesta escola de arquitectura apenas três professores estrangeiros. Conseguimos realmente formar pessoas que são capazes de fazer o ensino da arquitectura. Se esses têm que pôr “mão na massa”, como dizes, quem vai ensinar? Nós temos aqui alguns deles, recém licenciados, estamos a ensina-los à dar aulas. Eu, por exemplo sou  produto daquilo que é o ensino, desde o primeiro momento. Fui monitora, acabei o curso e depois fui assistente estagiaria. Portanto, acho que estamos no bom caminho.

 Professora, o que é que representa Vasco Vieira da Costa para si? Passa-se a ideia de que os professores fizeram dele o  ícone(único) da arquitectura angolana, “beatificando-o”.

Não . Vasco Vieira da Costa não  é o ícone/único  da arquitectura angolana. O que acontece é que temos de falar e fazer justiça à aqueles que tomaram Angola como o seu País, primeira questão. Segunda questão, aqueles que realmente desenvolveram neste País, uma arquitectura de referência. E Vasco Viera da Costa está entre eles. Mas também tem o Simões  de Carvalho, tem o Castro Rodrigues......arquitecto Campino entre outros.

A arquitecta Manuela da Fonte diz que “ A arquitectura de Angola tem muitos pais e mães” está de acordo com esta afirmação?

Estou, é claro! Porque é preciso saber distinguir aquilo que significa alguma coisa na arte de projectar e construir e aquilo que é igual ao Zé Maria da esquina. Porque quando se fala destas pessoas, você está  a encontrar alguma coisa que não  é comum. Mas também há outros  exemplos, estou agora a lembrar dos irmãos Cirilo que construíram o cinema Miramar.

Para si quais são os arquitectos de referência  que se tenham  destacado em Angola no pós-independência?

 Não estou lembrado de ninguém com um trabalho interessante[risos]....

E em África?

Ao nível de África  tenho como referência o arquitecto Egípcio Hassan  Fathy que realmente valorizou a sua formação de arquitecto na recolha de materiais de construçao e também na aplicação dos princípios tradicionais da vida dos egípcios. Ele, de facto, é um arquitecto fora  de série.. É um arquiteto que esteve no movimento moderno quando tinha que estar, mas que se dedicou completamente à arquitetura dos pobres.

Já para irmos encerrando a nossa conversa , quer falar um pouco sobre a introdução  do computador no ensino e prática da arquitectura, para efeitos de desenho rigoroso e a relação  disso com o desenho à mão?

O que eu devo dizer quanto a isso  é que o arquitecto não tem que ser   bom desenhador. O arquitecto produz criatividade, cria. O que é preciso é mostrar essa criatividade. Porque eu posso criar dentro da minha cabeça coisas fantásticas, mas se não as reproduzir, ficamos na mesma. Ou tenho um compincha que entende as minhas criações ou lucubrações e que consegue reproduzi-las ou não. Isso para dizer que o arquitecto não tem que ser um artista. Ele tem que saber reproduzir num papel as ideias que tem. E se tem meios que facilitem essa reprodução , que as utilize. Nós estamos na época das máquinas. Agora, você tem que aprender  o desenho que o arquitecto utiliza, que é o desenho técnico rigoroso. E depois quando souber utilizar esse desenho, não há problema nenhum em utilizar a máquina.

O espaço rural parece não ser alvo de estudos profundos no domínio da arquitectura, como acontece com a cidade. O arq. Claudio Carlos defende a necessidade de olhar para o ruralismo com maior seriedade, que podia ser um factor de equilíbrio para contrapor a pressão sobre o meio urbano. Qual é a sua apreciação?

Realmente não se houve falar muito do espaço rural na arquitectura porque as pessoas não têm interesse. Mas no nosso plano curricular existe  preocupação  com o espaço rural de tal forma que no terceiro ano nós fazemos vivenda urbana e vivenda rural. Porque a arquitectura não está só na cidade, mas é difícil as pessoas saírem desta cidade…

Para terminar , quer deixar uma mensagem para a classe?

 

Que  sejam arquitectos com “A” grande. É isso que eu desejo e que acima de tudo está o conforto e o bem-estar do homem.