"O PLANO DIRECTOR DEFINE UMA EQUAÇÃO EQUILIBRADA PARA TODO TERRITÓRIO"
Arq. Bento Soito~
Numa altura em que faz noticia a fase final do Plano Director Geral Metropolitano de Luanda, fomos buscar dos arquivos o essencial da suculenta entrevista concedida pelo arquitecto Bento Soito, Director da GTRUCS, ao Semanário "O País" há mais de dois anos, mas que nem por isso perde o seu interesse e actualidade, pela forma científica e pedagógica como as questões de planeamento e gestão urbana são tratadas, levando em consideração as peculiaridades territoriais e socioculturais da área de intervenção de requalificação/reconversão urbana, que são os Bairros históricos de Luanda nomeadamente o Cazenga, Sambizanga e Rangel.
Duas das localidades, Sambizanga e Cazenga, são alvos de um plano de requalificação. Como é que se casa este plano de ordenamento, ou director? Ou seja, o plano director teve de assentar sobre as opções do plano de requalificação?
Penso que está a referir-se aos casos do Sambizanga e Bairro Operário, o Rangel nem tanto, embora podemos o considerar também, porque os bês, os cês, etc. sofreram um processo de requalificação, pelo menos de infra-estruturas. Mas no Sambizanga e Bairro Operário o que fizemos foi adequar os projectos de requalificação em curso e os previstos. Aquilo que define o plano director, sobretudo no que tem a ver com a densidade populacional prevista numa só equação, tem que ser equilibrada por todo o território. Antes, a abordagem foi feita de forma pontual sobre as áreas em que incidia a requalificação. Mas agora, com o processo de elaboração do plano director, fizemos a adequação. Trabalhamos com os técnicos, com as entidades que estão à frente destes projectos no sentido de garantir a integração no plano director. Temos isso salvaguardado.
Não há, portanto, riscos de choques entre o que se vai fazer em termos de requalificação e o que fica estabelecido no ordenamento do território?
Não. Em princípio não há razões para isso, porque trabalhamos em conjunto, tivemos o cuidado de convidar entidades para virem cá e trabalharem directamente com os técnicos encarregues de elaborar o plano director. Também criamos internamente um grupo técnico que integra todas as entidades e instituições do Estado, que desenvolvem projectos dentro das áreas, a EDEL, a EPAL, a ANGOLA TELECOM, O INEA, O MINISTERIO DO URBANISMO E DA CONSTRUÇÃO… todas as entidades que hoje desenvolvem projectos dentro deste território trabalham connosco aqui num grupo integrado, para podermos definir um programa de acção integrado de execução destas infra-estruturas, de execução destes projectos, e não só, para que também possamos, de alguma maneira, optimizar recursos que o Estado liberta para melhorar as condições da população, nesta fase. Se assim não for, a intervenção de uma ou outra entidade pode criar sobreposição e, em vez de caminharem na mesma direcção, o que pode acontecer é um danificar o trabalho do outro. O que estamos a fazer no grupo integrado é garantir que haja um cronograma de execução de trabalhos cuja sequência seja também integrada e que permitira que os recursos e as infra-estruturas a instalar possam garantir que não se perca nem se destrua os investimentos.
Falou da atenção à questão da densidade populacional. Sambizanga e Cazenga têm mais problemas ligados à densidade populacional propriamente dita, ou mais de densidade de construção?
Existe a questão de densidade habitacional e da densidade populacional, mas a nossa equação, em primeira instância, é feita em função da densidade populacional, porque é preciso prevenir que a população… e é filosofia do projecto, garantir que a população residente no local não tenha necessidade de ser deslocada, na sua maioria. Eventualmente poderá ser um terço da população, o que é muito, mas vinte por cento dessa população poderá ser deslocada para outra área… mas na sua maioria a ideia é que essa população não se desloque e que haja um processo integrado de realojamento da população. Então o primeiro cuidado é garantir que a densidade populacional seja tratada numa única equação, de forma equilibrada, para que o território possa acomodar as famílias , e aí entra a densidade habitacional, adequada ao número populacional previsto, portanto o primeiro factor de referência é a população;
Nos casos em que se impuser a reconversão e a transferência de pessoas para outras habitações, em altura, por exemplo, a pergunta inevitável é: quem é que vai pagar?
Cada caso será um caso. Digamos que você tem uma casa, construída por si, na qual despendeu esforço financeiro e que pode ser avaliado pelas nossas equipas e, de alguma forma, servir em termo comparativo com aquilo que você, em princípio, vai receber no edifício que nós construímos. Estabelece-se esta relação comparativa, se o bem imobiliário que você apresentar, em termos de avaliação, tem um valor superior ao que você irá receber da nossa parte você terá um acréscimo. Nós teremos que reforçar a indemnização. Se for ao contrário, será você, enquanto munícipe, a pagar, durante o resto da sua vida, o diferencial para o valor equilibrado do imóvel que nós vamos disponibilizar. Nada será de borla, nem para o Estado, nem para o cidadão. Será uma relação de mútua compensação. Quando o Estado se propõe expropriar um determinado imóvel, a lei é muito clara, a indemnização deve ser justa. E neste caso, quando o Estado investe num determinado bem público, deve receber do cidadão a sua contribuição.
Acabou de fazer tocar algumas campainhas de promotores imobiliários, quer para habitação, quer para comércio, escritório ou industria, ao saberem que, eventualmente, no próximo ano entra em vigor o plano director. Se ele já tiver os seus projectos aprovados e estiver atrasado na execução, ou no início da execução, poderá ter que refazer tudo, se não estiver em conformidade com o plano director?
Sim. Todos os projectos que se pretendam executar naquele território terão que respeitar o plano director. A partir do momento em que ele for ratificado e passa a vigorar como lei, o seu regulamento, deverá ser respeitado. A primeira entidade a respeitar é o próprio estado. Porque se o plano director diz que aqui passa uma rua com perfil A ou B, o próprio estado tem que construir aquela rua com aquele perfil. E depois o cidadão é obrigado a construir dentro do lote dimensionado pelo estado e com o uso definido pelo estado. Se o estado definiu que aqui é para o uso habitacional você vem colocar uma fábrica, você vai criar problema, não só para si, mais para toda uma comunidade. Se o estado definiu que aqui devem ser construídas habitações unifamiliares você não vem para erguer um prédio de sete ou oito pisos. Você vai ser direccionado a área onde estão definidos ou previstos os prédios de sete ou oito andares. E isto é que deverá ocorrer. Se eventualmente um promotor imobiliário tinha o plano de construir numa determinada área, um determinado projecto e que não coincide com aquilo que define o plano director, ele deverá ser direccionado. Mas eu penso que não terá nada a perder, só terá a ganhar.
E vai ter muita gente a bater-lhe a porta?
Isso será bom. Quanto mais gente aparecer a bater a porta melhor para nós, porque mais rapidamente o projecto se vai desenvolver. Também não pode ficar no ar a ideia que, existe um gabinete de requalificação ou de reconversão urbana do Cazenga e Sambizanga e este gabinete é que vai fazer tudo. O estado vai fazer a sua parte, que são infra-estruturas, os equipamentos sociais e vai colocar à disposição dos promotores imobiliários e da comunidade em geral, a possibilidade de as pessoas investirem em lotes destinados à promoção imobiliária e desenvolverem os seus respectivos projectos. Claro que naquilo que o que tem a ver com habitação social, na sua maioria, terá o controlo do estado, ao nível de preços, etc., mas o resto, para média e alta renda será colocado à disposição dos promotores imobiliários, eles irão decidir como gerir os territórios…
Isso vai obrigar a construção em altura?
Em alguns casos obriga a estabelecermos um equilíbrio entre a construção em altura e a de piso único e unifamiliar. O plano director visa definir o uso dos solos e, assim, as áreas em que é possível construir habitação unifamiliar, habitação multifamiliar, uso misto entre habitação e comercio, habitação e serviços. Tudo isso o plano director define e estabelece uma equação equilibrada por todo o território. São esses os factores que foram trabalhados em conjunto com as entidades que hoje estão à frente desses projectos, para que possamos ter um produto final com o qual nos possamos orgulhar e que seja tecnicamente exequível.
Não teme o choque com barreiras culturais que podem ser vistas em duas formas: por um lado as pessoas estão habituadas, independentemente da qualidade da habitação, a viver em casas de piso térreo e podem ser levadas para prédios altos, e, por outro lado, no processo de ordenamento e do plano Director… nós não estamos habituados a cumprir estas regras… isso pode-se ver na desordem que é Luanda, em que os quintais foram transformados em lojas, janelas abertas, boutiques, oficinas, em prédios altos… e até em Bairros, passe o exagero, como vai ser isso?
Mas tudo isso aconteceu porque Luanda ainda não tem um plano Director aprovado. Eu sei que o Governador da Província de Luanda tem contratado, já, este trabalho. Dentro dos próximos meses creio que deverão arrancar, com a elaboração do plano Director para a província de Luanda, e isso vai ajudar a que o Governador Provincial, com este instrumento, possa então regular o crescimento, o desenvolvimento e a própria gestão do seu território. No que diz respeito ao que nós estamos a prever para o Cazenga, Sambizanga e Rangel por um lado estão salvaguardadas algumas áreas onde já existe alguma consolidação urbanística com habitação unifamiliar. Dou-lhe o exemplo, no Cazenga, na área da Comissão, mais vale fazer investimento em termos de requalificação e não de reconversão completa do espaço, e garantir que a população mantenha a mesma vivência, os mesmos hábitos e cultura, aqueles que são urbanos, e que de alguma forma se adaptem a uma nova realidade, em termos da vizinhança que eles vão passar a ter. Estou a falar das "bês" das "cês", estou a falar de algumas áreas da própria Terra Nova, em que será suficiente proceder a um processo de requalificação de infra-estruturas e aproveitar aquilo que existe como habitação unifamiliar que, penso, tem alguma qualidade.
Poderão, eventualmente, numa fase posterior, sofrer um novo processo de requalificação, redimensionando as habitações, ou da mesma tipologia, piso térreo ou elevado, mas aí será já em função das necessidades que aparecem e das condicionantes que forem do momento, mas nesta altura, nós entendemos que essas áreas, pelo menos, fazem parte daquelas áreas e daqueles aspectos que devemos conversar. Não só os aspectos físicos, históricos, culturais e socioeconómicos e políticos, que obrigam a que devemos manter e conversar.
Culturalmente, nós entendemos que é possível, com um processo de educação, de sensibilização, de mobilização da população promover uma adaptação que não seja abrupta mas que seja atempadamente providenciada e disponibilizada para a população. Acredito que seja um processo possível e que venha garantir sucesso. Repare que muitos de nós nascemos no musseque, crescemos nos musseques, muitos hoje são estudantes universitários e das escolas do ensino médio, etc. Alguns são professores, outros são técnicos das várias especialidades, que ainda moram no musseque, mas não são pessoas que estão, acredito eu, preparados para morar em edifícios de quatro ou cinco pisos, e que são pessoas capazes de sensibilizar os seus próprios familiares na maneira como devem lidar com um edifício em altura. Todas essas valências deverão ser aproveitadas por nós para que estes elementos ajudem-nos, de alguma forma enquadrar a população, a garantir que a adaptação da população a uma realidade nova seja mais facilitada. Penso que não devemos temer, é um desafio que temos que enfrentar, porque algum dia Angola, e Luanda em particular, teria que viver uma situação como essa. Se chegou a hora e nós estamos ajoelhados, somos nós que temos que rezar.
E há quem diga que estes planos acabam por dirigir as áreas mais nobres para a promoção imobiliária privada, de luxo.
Isso não. A grande maioria do território do Cazenga e Rangel está destinado a habitação social. Repare que nestes locais, hoje devem estar a albergar cerca de três milhões de habitantes. Nós estamos a prever uma acomodação na ordem dos dois milhões e quatro centos mil habitantes no plano director. Porque o processo de expansão e o processo de realojamento da população e de desenvolvimento daquele território não deve restringir-se a ele mesmo.Devemos entender que em determinado momento as áreas adjacentes, e que garantirão o crescimento e desenvolvimento da cidade, como Cacuaco, Kilamba Kiaxi e Viana, deverão também absorver parte dessa população.
Nós definimos para o Cazenga, Sambizanga, e Rangel um território em que também temos uma área verde significava, alias, é a área verde que marca a estratégia até a vivencia que se pretende dar ao território, porque nós entendemos que para intervir era necessário definir um ponto critico no qual fossemos capazes de desenvolver uma transformação de modos a que este ponto critico se tornasse numa mais-valia para o território e o ponto critico que nós definimos foi a macro drenagem que é o grande problema que aquele território tem, e entendemos que o melhor seria implantar uma vasta área verde, principalmente nas áreas das lagoas de São Pedro e tudo o mais que pudesse acomodar a água das lagoas nos períodos mais críticos e garantir que aquilo tudo se constituísse num espaço verde de lazer, com equipamentos desportivos, sócias, lúdicos, espaço culturais, institucionais e serviços, espaços comerciais, para garantir que a vivência do espaço pudesse também alavancar e garantir sustentabilidade económica do território.
Portanto, por um lado a incidência sobre as lagoas e por outro lado a incidência do espaço verde sobre as linhas de água. Essas linhas de água que atravessam os territórios do Sambizanga, Rangel e Cazenga, uma vez contornadas pelo espaço verde que se vai ramificando e penetrando pelo território dos municípios garantem a oxigenação do espaço, a humanização do território e a distribuição de equipamentos sociais, desportivos e económicos que pode conferir a população uma outra qualidade de vida.
Então, há solução técnica para o problema das lagoas que garantem qualidade de vida?
E o outro grande problema que é o da mobilidade. Como é que as pessoas se movem?
Esta malha verde acomoda também uma rede de vias de comunicação, principalmente pedonais, ciclovias, etc., que permite que a população pode circular no território sem ser vítima da insolação que é uma das características de Luanda. Os próprios edifícios e avenidas estão preparados para que haja a todo momento áreas de sombreamento que garantam a possibilidade de os munícipes circularem pela cidade sem que estejam sujeitos a insolação directa. O plano prevê também, mas de forma hierárquica inferior, uma rede viária. A ideia é que a malha e o espaço verde se sobreponham a todas as infra-estruturas. A seguir vem toda a infra-estrutura viária e as demais. Nós entendemos por bem aproveitar aquelas, não um modelo de cidade com pequenos satélites, mas uma cidade integrada e que cresce no sentido de desenvolvimento dos seus eixos principais.
E isso não vai criar mais pressão automóvel sobre o território, como temos o afunilamento quase eterno da Boa Vista, por exemplo?
Não, porque o que se expande, o crescimento linear da cidade no sentido dos eixos, principalmente a parte baixa, que é o centro, se ele cresce para o Sambizanga, se expande o centro, cada vez mais se vai desafogar o núcleo. Quando se definir a cidade não como satélites mas com o crescimento homogéneo em função dos eixos, garante-se que em cada umas das áreas do território você encontra os serviços de que precisa, sem ter que vir ao centro da cidade. Os serviços que hoje existem apenas no centro da cidade, amanhã você poderá encontrar no Cazenga, por exemplo. A diferença poderá estar eventualmente na arquitectura, apenas. E o actual centro poderá ter mais valor histórico, cultural e turístico e não tanto na prestação de serviços.
Uma das críticas que se faz as novas construções, falando em arquitectura, é que não são pensadas de forma ecologicamente económica. Estas coisas também se prevêem num plano Director?
Eu penso que não é exactamente o plano Director que define os traços arquitectónicos dos edifícios, mas sim o regulamento Geral das edificações Urbanas que deve definir as tipologias e a forma como os técnicos devem definir as tipologias e a forma como os técnicos devem abordar a arquitectura do meio em que vivem, para enquadrar um ambiente, para enquadrar uma serie de situações que são ligadas a circunscrição em que a obra é executada. É diferente fazer um edifício de serviços ou de habitações para um território localizado na Noruega, na cidade de Oslo, e um edifício para aqui para a cidade de Luanda. É diferente construir um edifício mesmo para a cidade do Lubango que um para a cidade de Luanda. São essas nuances arquitectónicas que é preciso considerar nos regulamentos das construções urbanas para que quando os arquitectos projectarem, quem faz a gestão desse dossier possa regular e orientar os técnicos sobre a forma como devem apresentar os seus projectos e como eles devem, ou não e quando devem, ou não, licencia-los.
Enquadramento geral do plano
Temos novidades?
A novidade é o plano Director como tal, é a proposta base. Mas a nossa ideia não é surpreender, é satisfazer os anseios da população, não temos a intenção de surpreender, temos a intenção de corresponder as expectativas. Temos a intenção de chegar a receber das pessoas palavras de conforto e de incentivo para continuar nesta direcção porque as pessoas se revêem naquilo que nó estamos a fazer;
Mas neste trabalho envolvem-se meios tecnológicos avançados. O satélite terá estado presente, é inevitável, quais foram as grandes dores de cabeça?
Tivemos que trabalhar com o ortofotomapas, com o sistema SIG, (sistema integrado de informação Geográfica) …. Enfim, o cadastramento da população, o levantamento sociológico da população do território para identificar os espaços de maior significado simbólico para a população, quer do ponto de vista cultural, que politico ou histórico, em algumas situações era uma rua, às vezes era uma casa, as vezes era um edifício institucional… como o caso do campo de Areias, os sete e meio, enfim, várias ruas que tem algum significado para os munícipes no território e em que pode-se ate não manter mas garantir que aquela rua continue com o mesmo nome.
Não foi fácil fazer o levantamento e colocar no plano de peças a manter.
Teve o concurso de alguma Universidade angolana neste trabalho?
Convidamos as universidades a darem as suas contribuições quando fizemos as apresentações públicas, algumas deram contribuições. A faculdade de ciências colabora connosco na questão das águas salobras do Rangel… temos alguma contribuição das universidades.
Qual é a área de trabalho?
Tem cerca de cinquenta e quatro quilómetros quadrados. Depois ainda vem a fiscalização, que é outro problema, nós contratamos a empresa SURBANA não apenas para elaboração do plano Director, como também para elaboração do plano de infra-estruturas e depois contratamos o plano de implementação e gestão, porque não é suficiente planear e construir mas é preciso saber como se vai fazer a gestão. E o grande forte desta empresa, que faz a gestão de Singapura, é exactamente a gestão.
Sabe-se o que é a Singapura e nós quisemos trabalhar com grandes referências a nível mundial, para não cairmos em repercussões menos dignas para a nossa população. Quisemos alguém com credenciais reconhecidas mundialmente e assim salvaguardar os interesses e direitos da nossa população.
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