quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Desenho de projectos com software CAD

Por Hugo Farramacho
Fonte: Jornal de Angola
Desenho realizado pelo Revit 3D
Será mais importante do que nunca, principalmente para quem está a construir os seus conhecimentos no ensino superior (ou ate mesmo no ensino médio), não deixar que este conjunto de ferramentas, que são apenas um meio, acabe por funcionar como um fim.
Noto nos meus alunos um desconhecimento muito grande sobre quais os softwares que lhes puderam ser úteis, quais os que tem mas aceitação no mercado de trabalho e quais os que tem realmente uma legitima função pratica e se adequam ao tipo de trabalho que executam.

Esta é uma questão mas pertinente se pensarmos que muitas vezes é alargada também os professores universitários, que em muitos casos não conseguem acompanhar a evolução de este tipo de tecnologia. Muitas vezes a escolha recai sobre a tentativa de se dedicarem ao maior número possível de softwares, a fim de abarcar o leque existente. Esta é uma escolha errada, porque normalmente acabam por não dominar efectivamente nenhum, e o mercado está por seu lado cada vez mas exigente neste ponto.
É importante começar esta consciencialização, porque a partir dai facilmente poderá procurar a ajuda de quem trabalha diariamente nesta área e o poderá aconselhar melhor, como é o caso do representante da Autodesk existente em Angola. Neste local será questionado sobre a sua área de formação e convenientemente informado sobre quais os softwares que devera estudar e, mais importante, em que devera manter-se actualizado. Com a periodicidade já descrita do ritmo de lançamento de actualizações, facilmente um utilizador que não se debruce sobre elas, pelo menos uma vez por ano vai perdendo progressivamente a capacidade de tirar do software tudo o que ele lhe pudera dar.
Estas questões não são lançadas unicamente para o desenho de projecto, mas também para os modelos tridimensionais que dai resultam. De facto, não será descabido referir que as três dimensões já fazem parte do quotidiano dos projectistas actuais. Terá sido um processo marcado por uma evolução lenta no que toca a sua utilização, um pouco por todo o mundo.
Foram várias as razões que contribuíram para este facto, podendo se salientar no geral a fraca qualidade do projecto (arquitectónico), o pouco interesse em investir na promoção da imagem do mesmo, o pouco incentivo a nível universitário para a divulgação das ferramentas que produzem 3D e, por outro lado, a boa interactividade entre o utilizador e este tipo de trabalho e softwares, que durante muito tempo andaram de costas voltadas.

Felizmente, com o passar dos anos todas estas posições se foram alterados. É notória a evolução da qualidade dos projectos. O paradigma da construção mudou radicalmente na última década e meia. As pessoas já não pretendem apenas um sítio para morar, querem também uma identificação com o mesmo. No geral, a imagem dos objectos e dos imóveis passou a vender. O 3D veio contribuir e muito para esse desenvolvimento.
 
Desenho produzido pelo Softwere Estudio Max

Posto isto, os projectistas tem actualmente a sua disposição um conjunto muito alargado de ferramentas que lhes permitem fazer facilmente o que ate há uns anos era mais complicado desenhar. Ou seja, desenhar com ajuda de um computador, mas mantendo uma linguagem própria de representação e identidade.

Esta foi, de resto a principal critica feita no inicio da utilização do AutoCAD pelos arquitectos: que se iria perder a linguagem própria de cada arquitecto. Como nova tecnologia que era, esteve sujeita a uma grande carga de capticismo durante toda uma fase de transição do desenho executado a mão, com canetas de tinta-da-china, para o formato digital (CAD). Esta fase durou alguns anos, devido sobretudo a resistência que grande parte dos ateliers mostravam a sua utilização.

A mudança de opinião relativamente a este assunto da perda de entidade gráfica, devido a utilização do computador, só começou a registar-se quando começaram a surgir os primeiros arquitectos a lançarem para o mercado de trabalho projectos com entidade gráfica própria, produzida nestas ferramentas. Este teve de ser um processo de maturação e habituação aos softwares, que levou, como já foi referido alguns anos.

Tratava-se de uma tecnologia recente, que permitia uma rápida execução de projectos, com pouca margem de erro, a contrastar com os métodos tradicionais utilizados ate então. No fundo, nunca se tratou de mostrar qual das técnicas (a mão ou em CAD) era melhor. Só quem nunca viu desenhos produzidos por alguns mestres da arquitectura da década de 50, 60 ou 70, é que poderá achar que o projecto representado manualmente não possui um valor inestimável.

Vejam-se os desenhos que compõem os projectos de Cristino da Silva (1896-1976) ou Cassiano Branco (1897-1970), ou de qualquer outro mestre arquitecto dessa geração.

Esta fase da representação em projecto tem, sem dúvida, o seu lugar na história e possui uma quantidade de princípios de desenho que serão estudados e assimilados por muitas gerações de estudantes de arquitectura no futuro. Contudo, face as vantagens que o desenho em CAD apresentava, a transição foi inevitável.

De facto, muitos perceberam que era relativamente fácil passar para o computador o tipo de representação que usava a mão. O resultado final poderia ser o mesmo utilizando ferramentas diferentes. Punha-se de parte os lápis, guaches, canetas de tinta-da-china e passava-se a usar o software de desenho.

Quando finalmente se adquiriu esta consciência, já em plena década de 90, é que se deu a real evolução deste tipo de produtos. A partir dessa altura, quando os arquitectos iniciavam a utilização destas soluções, passaram a faze-lo já mentalizados de que teriam de descobria a sua forma de representação, a semelhança do que acontecia anos antes com o desenho a mão. A Autodesk passou a lançar versões anuais dos softwares, bem como de novas ferramentas de trabalho, como a família Revit, por exemplo, no inicio da presente década.

Actualmente os arquitectos possuem um leque muito abrangente de soluções para encontrarem as ferramentas de trabalho que melhor respondam as necessidades de representação. A utilização destes produtos para o desenho de projecto é um dado adquirido hoje em dia, tanto para o desenho a duas dimensões, como três dimensões.

De facto, o que há uns anos atrás não passava de uma ferramenta de desenho, que parecia separar o desenho de projecto de uma representação artística, já se encontra desmistificado. Como em tudo na vida, estas ferramentas de desenho podem ser utilizadas de duas formas: “friamente” e apenas para representar mecanicamente os projectos, ou com um “cunho pessoal” e intencional.

Quem actualmente conhecer linguagens como a de Zaha Hadid, e Daniel Libeskind, entre tantos outros, não poderá pensar que esta não é uma forma de representação artística.
Obra de Zaha Hadid

O poder de algumas ferramentas, como o AutoCAD, Revit, 3D Max Design, permite ir ao encontro deste tipo de representações e fornece aos arquitectos a liberdade que lhe é necessária. Desde o inicio da criação do desenho de projecto que as formas de representação têm vindo a evoluir. Nas décadas de 60 e 70, por exemplo, a discussão era entre a utilização da tira linhas ou das canetas de tinta-da-china.

O paradigma da representação de projectos alterou-se muito nas últimas décadas, e actualmente a questão coloca-se sobre quem consegue exprimir-se melhor através destas ferramentas. E relativamente normal, quando se olha para um 3D, perceber de imediato quem o realizou, pela forma de representação, ou então perceber qual é o arquitecto de desenvolveu um desenho 2D, pelo grau de pormenor ou tiques de grafismo.

Para finalizar, deixa-se a indicação de que, no fundo, o caminho que se percorre para se vir a ser um bom utilizador das ferramentas CAD ou BIM, tem de ser iniciado durante a universidade e através do desenho manual. Ou seja, os princípios de projecto deverão ser assimilados inicialmente através do desenho a mão. No entanto, também é importante que os alunos tenham a possibilidade de começar a explorar varias ferramentas assistindo por computador (CAD) ou BIM, a fim de começarem a construir uma linguagem própria através deste tipo de tecnologias. Este é o futuro, e o futuro tem de começar a ser preparado nas universidades através de uma correcta orientação neste tipo de ferramentas.

Em suma, a evolução é notória, e é indispensável que os profissionais da área de projecto saibam tirar proveito destas ferramentas, de forma a tomarem mas expedita a maneira de dialogarem com os clientes. É uma forma de comunicação que esta totalmente implementada na sociedade actual, sendo que quem a dominar estará melhor preparado para fazer frente a um mercado de trabalho cada vez mais exigente.

Fonte: Jornal de Angola

 

 

 

 
 

domingo, 25 de janeiro de 2015

CONVERSA COM ÂNGELA MINGAS



Texto: C. Martinho
Foto: E. Samaria

Apesar da sua agenda preenchida, foi possível ter uma conversa agradável com a simpática arquitecta Ângela Mingas, nas instalações da Universidade Lusiada de Angola onde é docente e coordenadora do curso de Arquitectura, num ambiente de atelier.

A entrevista versou sobre uma diversidade de temas relacionados com o patrimônio edificado, a sustentabilidade nas várias vertentes, a mobilidade urbana, a cidade de Luanda, o Musseque sua essência e valor arquitectural, o ensino da Arquitectura em Angola os estilos e a produção  arquitetônica nos nossos dias e outros assuntos de grande interesse.

Ângela Mingas sempre no seu jeito frontal e alegre, assume várias declarações que tem proferido em fóruns públicos, explica conceitos e defende as suas teses com bastante elegância e competência. A nossa interlocutotra não deixou de abordar o que reserva o próximo Fórum de Arquitecura que a ULA está a preparar para este ano cujo tema central é " O estado da arte" e que marca os 10 anos deste evento que promove a arquitectura e o urbanismo. Aguarde pois tudo estamos a fazer para tornar pública está conversa com uma das vozes mais ouvida nas lides da arquitectura em Angola!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Entrevista com o Presidente da Ordem dos Arquitectos de Angola

 
 
 
 


Por: C. Martinho

Tivemos hoje a honra de conversar de forma amena e aberta com o Arqº.Victor Leonel , presidente da Ordem dos Arquitectos de   Angola, nas suas instalações situadas no Bairro da Vila Alice em Luanda;

Foram abordados vários temas de interesse para a classe dos arquitectos Angolanos e estrangeiros que exercem a profissão no País, bem como estudantes de arquitectura, desde a participação dos associados em actividades inerentes a profissão, a relação com as outras ordens profissionais, o papel social do arquitecto, a relação com as entidades públicas, o ensino da arquitectura, as boas práticas da arquitectura e a clarificação de alguns conceitos bem como procedimentos;

o bastonário da OAA fez questão de informar que actividades a instituição prevê realizar em matéria de fóruns e concursos, à semelhança do que ocorreu no ano passado, num gesto de promoção da superação e actualização constante dos conhecimentos dos associados, por forma a adequa-los aos desafios contemporâneos;
Estamos a trabalhar para publicar brevemente esta interessante conversa que ficará registada e teremos o prazer de partilhar;

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

“O CARRO É O CIGARRO DO FUTURO, ARQUITECTURA NÃO É DESFILE DE MODA”


Entrevista com JAIME LERNER
 
Por: C. Martinho 
Nesta missão de ouvir as diversas vozes da arquitectura,  tivemos a oportunidade de estar do outro lado do oceano e conversamos com o renomado arquitecto e urbanista Jaime Lerner no seu atelier em Curitiba, a cidade capital do Estado de Paraná, Brasil. Jaime, como gosta de ser tratado, dispensa apresentação, a sua obra inovadora de 50 anos de carreira é conhecida pelo mundo todo, está exposta no museu Oscar Niemeyer em Curitiba, a cidade que o viu nascer e que mudou a face, transformando-a com marcas indeléveis temperadas com simplicidade.
Nesta conversa "informal" com algum humor, o pensador do sistema de transportes público integrados e outros sistemas urbanos inovadores, fala de forma crítica e descontraída sobre a cidade, a arquitectura, as acupuncturas e mobilidade urbana, e apresenta a sua visão sobre Angola. O nosso entrevistado fala da sua experiência no seu escritório (JLAA) que desenvolve vários projectos no Brasil e pelo mundo incluindo Angola;

Pelo reconhecimento da sua rica obra, Jaime Lerner recebeu diversos prémios internacionais com destaque para o prémio máximo das Nações Unidas para o meio ambiente (1990), UNICEF Criança e Paz (1996), o 2001 World Tecnology Award for transportation, o 2002 Sr. Robert Mathew Prize for Imploiment of Quality of Human, pela União Internacional de Arquitectos. Em 2010 foi nomeado pela revista Time um dos 25 pensadores mais influentes do mundo, e em 2011 em reconhecimento à sua liderança e contribuição no campo da mobilidade urbana sustentável, recebeu o prémio Leadership in Transport Award, pela Internacional Transport Forum at the OECD (www.jaimelerner.com);

     Jardim botânico de Curitiba
A cidade de Curitiba hoje é o que sonhou/idealizou?
Bom, muita coisa aconteceu, Curitiba sempre teve um compromisso de inovação constante, como tudo que é inovação deve continuar, quando você para uma inovação, aí as coisas começam a decair um pouco. Então eu acho que Curitiba ainda é uma cidade como referência no mundo inteiro, eu não gosto usar a palavra "exemplo", Curitiba é ainda uma referência mas algumas coisas têm decaído, a falta deste processo de inovação constante está interferindo, começando a preocupar; Curitiba sempre esteve na vanguarda, então é necessário muito trabalho para manter esta vanguarda, e agora desde alguns anos ela (a cidade) parou de inovar. É claro que Curitiba ainda tem coisas de alta qualidade, como serviços, a cidade tem compromisso constante com sustentabilidade, mas muitas coisas decaíram, como a qualidade dos transportes públicos, a sensibilidade em relação àquilo que é uma cidade, essa sensibilidade está se perdendo;
Curitiba é conhecida por ter um bom sistema de transportes públicos, pode dar um exemplo concreto que ilustra como esta sensibilidade decaiu?
Vou dar um exemplo. O transporte público de Curitiba, tinha um sistema de altíssima qualidade, onde o embarque era rápido com pista exclusiva e a frequência era de minuto à minuto, porque os ônibus (autocarros) biarticulados tinham preferência/prioridade no semáforo, eles paravam só nas estações, e de uma hora para outra isso deixou de acontecer, de uma frequência que era de um minuto, passou a parar de quatro em quatro…. e isto vai reduzindo a confiança que a população tem na qualidade do transporte, ainda é boa mas muita gente voltou para o automóvel. E no desenho do espaço urbano, dou um simples exemplo de piso da pedra portuguesa que é uma tradição que funciona há mais de trezentos anos em muitas cidades e que era uma marca de Curitiba. Em muitas cidades Brasileiras agora a pedra portuguesa foi "excomungada", substituída por um pavimento ridículo em "paver", e a pedra portuguesa era um tapete, tinha um desenho e toda vez que havia necessidade de repor infra-estrutura a pedra portuguesa se recompõe mais facilmente; Eu dei um exemplo disso mas ela era importante no desenho da cidade, das vias estruturais e assim vão todas tentativas de revitalização.
O centro da cidade precisa ser ocupado, o que acontece hoje no centro de dia é muito bom por um lado, e durante anos nós estimulamos a vinda de cursos, de faculdades todas no centro para trazer   mais vida, trazer mais jovens e equipamento cultural ao centro da cidade, e agora não há esse cuidado. Eu acho que revitalizar é voltar a viver, então as pessoas não vão viver no centro se o centro não tem uma boa vida de rua, uma boa qualidade. Bom, ainda assim é a melhor área pedestre do País mas podia ser uma área com maior qualidade;


  "Eu acho que revitalizar é voltar a viver"
 
O sistema de transporte de Curitiba é referência no mundo, está a ser experimentado em 300 cidades, como mostra a sua exposição actual no museu Oscar Niemeyer. Como avalia este olhar para a referência que é Curitiba e a implementação noutras cidades?
Eu conheço uma boa parte das cidades que implementaram o BRT (Bus Rapid Transit), muitas fizeram um bom trabalho, outras não. De qualquer maneira elas definem uma prioridade para o transporte público, mas existem vários estágios de boa qualidade de transportes. Por exemplo, a cidade de São Paulo está fazendo faixas exclusivas, mas a faixa exclusiva não é tudo, tem vários estágios, a faixa exclusiva junto a calçada é um desastre, precisa ser no meio da via, mas de qualquer maneira isto revela uma prioridade do transporte público. Então as administrações mostram esses exemplos, como agora os autocarros andam mais depressa, claro que é, mas poderiam ter muito mais qualidade. Então primeiro o transporte não precisa apenas de um corredor, é uma rede integrada isso implica no desenho das estações e tudo, como desenhar as estações para poder caracterizar como uma rede;
Acabei de saber que já esteve em Angola, olhando para Luanda que avaliação faz da cidade? ….
Cada vez que vou à Luanda vejo que a cidade está melhor, porque as primeiras vezes que fui havia muita obra, muito congestionamento, para circular um quilómetro levava três horas, mas cada momento a gente vê um avanço, Luanda tem frente para o mar e isto dá para fazer muita coisa boa, a cidade está melhorando na qualidade dos serviços, mesmo na circulação está melhorando, então a tendência é esta, a população vai começando a exigir cada vez mais e é bom que faça isso;
Sabe que o BRT já está a ser implementado em Luanda?
 É? Quem fez isso?
Os planos Integrados de Expansão Urbana e Infra-estruturas de Luanda aprovados por um Decreto Presidencial em 2011 previam o BRT, o que veio a ser retomado pelo Plano Director de Viana que tem a vossa consultoria. O Ministério da Construção em articulação com o Ministério dos Transportes estão a liderar este processo, e já há obras. O que acha da implementação deste sistema numa cidade como Luanda, com uma população enorme e um fluxo migratório intenso?
É importante que sempre o transporte público seja pensado junto com planeamento da cidade, a estrutura de vida, lazer, mobilidade tudo junto, mas não é só corredor (faixa exclusiva), não é uma coisa isolada, me lembro de receber a visita de um prefeito de São Paulo há um tempo atrás e ele me disse: "porquê que os vossos corredores de transporte são limpos não são grafitados, tem moradias boas ao longo do corredor?", eu lhe disse que para nós não são" corredores", eles são parte de uma estrutura de vida, mas é mobilidade tudo junto, são as coisas, tem gente, não é uma coisa isolada, então deve haver este cuidado. Outra coisa, este tipo de "community  sistems" quando você só usa duas vezes ao dia, é difícil viabilizar, pois que a estrutura tem que ter tudo junto para ficar se realimentando, e a moradia tem que estar ao lado. Mas isto são coisas/conquistas que vão acontecendo aos poucos, eu vejo com muito optimismo o futuro de Angola, devido a vossa capacidade;
Essa coisa das acupuncturas urbanas fala-se em todo mundo, qual é a ideia? ….
A ideia é a seguinte: às vezes a gente espera muito tempo para fazer planeamento e tudo mais, mas tem ideias focais que podem começar imediatamente e terminar em dois ou três meses, que podem criar uma nova energia, é o mesmo princípio da acupunctura. Então, é claro que esta energia ajuda no processo de planeamento, não é no lugar do planeamento (substituir) é para ajudar, e às vezes ele é importante porque a gente pode fazer um efeito de demonstração rápida através de uma acupunctura mostrar e a população saber o que se quer, então às vezes é uma linha de transportes no começo que pode ser esta demonstração, mas tudo isso tem que ser feito rápido;
E a questão do carro, apercebi-me de que compara-o ao cigarro…quer comentar?
É, porque quando a gente falava, há muitos anos atrás que um dia iam abolir o cigarro dos espaços fechados, ninguém acreditava, diziam que não era possível e hoje o mundo inteiro proíbe. Então eu digo que o carro é o cigarro do futuro porque nós não podemos depender só do carro, não pode ser a única alternativa, a gente pode ter o carro para fumar, viajar ou para o lazer, mas para o dia-a-dia na cidade a solução tem que ser o transporte público, para atender a grande maioria da população;
Que dizer do shopping, parece que não gosta muito….
A questão do shopping é a seguinte: quando é dentro da malha urbana, ele ajuda a trazer movimento, quando é fora da malha urbana ele vai contra a cidade, então te afasta da cidade, e é uma maneira também de elitizar, de tornar inacessível à população de renda menor. O shopping dentro da cidade é muito bom, temos aqui em Curitiba muitos bons exemplos que resultaram da reciclagem de fábricas, então esses são favores da cidade, embora nós tínhamos uma lei antes, que proibia que o shopping devia ter um lado para a rua, não deveria ser uma caixa fechada, aqui a gente fez varias tentativas, não permitiram de dar um carácter de rua para o shopping, ter uma frente para a rua, eu espero que isso aconteça. Me lembro que os que faziam shopping não queriam saber de cinema, era só vender, e a gente sempre colocava a necessidade do cinema e hoje o que faz a vida do shopping é o cinema, então essas coisas separadas/afastadas da cidade não são a cidade;
É mais conhecido como urbanista, sei que aqui no Brasil os cursos são de arquitectura e urbanismo junto, mas o senhor é mais visto como alguém que trabalha em urbanismo, ou "arquitecto da cidade"….
Nós fazemos arquitectura e design tudo junto, isso faz parte da nossa formação, muitos lugares da europa têm o urbanista que parece o médico que não pode ver sangue, dizem que o psiquiatra é um médico que não pode ver sangue, tem medo de ver sangue. O urbanismo é espaço para o bom arquitecto, para o bom economista, o bom profissional, ele não é uma exclusividade dos demais, por isso ela não pode ser uma coisa separada. Eu sei que alguns países essencialmente na Europa na têm essa formação, mas eu gosto mais da nossa formação aqui que é tudo misturado, a gente é meio designer, meio paisagista, meio arquitecto….
Mas assim o arquitecto não se torna um generalista?
Eu não, porque a gente tem que ter uma visão global das coisas, ao mesmo tempo tem que ser muito bom e o detalhe é importante. Então, havia um arquitecto que trabalhávamos juntos, e muita gente dizia " não, mas lá em cima no terraço, ninguém vê…" e ele dizia " mas Deus está vendo".
Para nós que não vivemos cá, quando se fala em arquitectura no Brasil pensa-se em Oscar Niemeyer, que tem a dizer sobre ele?
 
Para mim foi o grande génio, é o primeiro grande exemplo pela capacidade de fazer coisas simples, porque toda vida dele (104 anos) fez isso. Uma das razões porque eu fiz arquitectura foi porque  via os projectos de Oscar Niemeyer, e ele inspirava todos nós, e tive a felicidade de conviver com ele;
 
Esta influência que Oscar tem nas obras de arquitectura é relevante, Jaime Lerner é referência do urbanismo, mas o senhor também tem intervenção em edifícios emblemáticos cá em Curitiba….
O arquitecto faz tudo. Uma das coisas que a gente gosta, é que ao mesmo tempo a gente desenha carros, ao mesmo tempo trabalha em transportes, no plano de uma cidade, estamos trabalhando em Angola…eu acho que a variedade de projectos e de desafios grandes que temos é que faz de nós o que somos, que todo mundo gosta.
   
         Escritório do Arq. Jaime Lerner em Curitiba, projectado por ele próprio
 
E essa sua ideia que é inspiradora, de trabalhar em equipa?  
Eu não sei trabalhar sozinho. Até porque eu acho que a criatividade vem de um processo de imersão. Ás vezes aqui (no escritório) um começa com uma ideia, mas é bom que o outro pegue corrija e faça melhor e o outro faça melhor, ninguém é dono de uma ideia, e é isso que faz essa coisa, claro que tem "coordenadores"  de projectos mas em geral um influencia o outro, um corrige o outro;  
"Eu não sei trabalhar sozinho"

Reflecte-se hoje  na ideia da Arquitectura social. Há certa altura a arquitectura passou a ser uma coisa de elite, o que acha? 
 Eu fui presidente da união internacional dos arquitectos, "tínhamos um milhão e meio de arquitectos e um milhão e meio de egos", então eu dizia sempre que a gente tinha muito orgulho dos nossos "stars" arquitectos, mas nós precisamos de uma constelação de arquitectos que se preocupam com a cidade, menos EGOarquitectura e mais ECOarquitectura, há grandes arquitectos que se preocupam com o entorno (envolvente), tem outros que não querem saber do entorno, eles querem um deserto para a obra deles aparecer, e uma das coisas fantásticas da obra de Niemeyer é que elas eram sempre simples, não é essa arquitectura toda retorcida, pego num pedaço  de papel amasso….acho que tem coisas boas, mas eu digo que o computador ajudou muito a fazer as coisas boas e coisas muito, muito ruins, o que eu chamo de "arquitectura torcida", vê-se muito, principalmente no oriente médio, China também, porque não têm compromisso com a cidade, com a sociedade...arquitectura não é desfile de modas, em tempos fiz uma brincadeira com Projectos famosos vestidos por mulheres, apresentei num debate sobre museus, foi muito engraçado. 

"Tínhamos um milhão e meio de arquitectos e um milhão e meio de egos"

" Precisamos menos EGOarquitectura e mais ECOarquitectura"

  E a beleza na arquitectura,  boa arquitectura é necessariamente encantadora ou espetacular?
 Ela não precisa ser espetacular. Para mim sempre é simples, mas ela tem que ter aquela surpresa e a simplicidade é a coisa mais difícil que há. Um escritor que mandou para o outro uma carta e disse : " eu te mandei uma carta muito comprida porque não tive tempo de fazer uma carta curta", porque coisa simples é concisa. Eu gosto muito de trabalhar com os artistas, com filósofos, poetas, eles não precisam ser de profissão, são por natureza, porquê? Porque o artista tem uma pele mais fina, ele sente a sociedade antes. Se eu posso trabalhar com gente que sente a sociedade antes, porquê que vou trabalhar com gente que sente a sociedade depois.
    "Simplicidade é a coisa mais difícil que há"


A propósito, há uma conversa  interessante que tem estado a mexer com as pessoas, especialmente os arquitectos que tem a ver com "arquitectura sem arquitectos", ou seja, as pessoas nas comunidades rurais organizam o seu espaço, a sua forma de viver mesmo sem serem profissionais, considera isso também arquitectura?
   
Também é arquitectura. Pegue uma Vila de pescadores em algum lugar da Europa e verá que são mais bonitas que muitos projectos, é porque tem uma noção de espaço, de necessidade, isto vem sedimentando com o tempo, e os materiais quando bem usados, têm uma razão de uso e têm um forte vínculo com o local/lugar, eles acabam definindo uma boa arquitectura.
E sobre identidade e beleza na arquitectura, o que acha?
A identidade é a componente fundamental, se perdermos a nossa identidade não somos nada. A beleza vem de tudo junto;
 
  
 
 
 
 
 
 


sábado, 17 de janeiro de 2015

JAIME LERNER, das vozes da cidade

Por: C. Martinho

O Museu Oscar Niemayer em Curitiba, também conhecido por museu do olho, é palco de uma grande exposição que comemora os 50 anos de carreira do arquitecto e urbanista Jaime Lerner, um homem que influenciou de forma marcante a transformação urbana que da Cidade de Curitiba, Capital do Estado de Paraná no Brasil;



                                                                   





Museu Oscar Niemayer em Curitiba

 
A obra de Jaime Lerner tem marcas indeléveis na paisagem e na vida social/urbana na cidade que o viu nascer, com os seus projectos e ideias inovadoras, o que tornou Curitiba numa referência obrigatória do planeamento e gestão urbana, com os seus sistemas de transportes públicos, parques, calçadas, equipamentos sociais, saneamento e outros sistemas urbanos exemplares da cidade que influenciaram e continuam a influenciar o mundo do urbanismo;


Para lá do seu lado de arquitecto/urbanista, Jaime Lerner foi três vezes prefeito da Cidade de Curitiba(uma espécie de Administrador Municipal) e duas vezes Governador do Estado de Paraná, tendo liderado uma verdadeira revolução urbana, principalmente no que diz respeito ao transporte público, sendo o pioneiro do sistema integrado de transporte conhecido

como BRT que hoje é utilizado em cerca de 300 cidades, tendo ganho vários prémios nacionais e internacionais, considerando o impacto positivo na qualidade das pessoas que o seus projectos e ideias deram aos munícipes;

Nota relevante, foi observar que a exposição de Jaime Lerner no Museu do Olho, dedica uma grande parte à Angola  onde o Escritório JLAA desenvolve vários projectos, o que vem ilustrado de forma expressiva no mapa do País e de parte de Luanda, assinalando vários pontos onde estão à acontecer ou aconteceram projectos do seu escritório;

 

 


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

"DO MUSSEQUE ÁS CENTRALIDADES. COMO CONSTRUIR A HISTÓRIA DE ANGOLA COMO BETÃO"

Patrício Batsikama
In Fórum Internacional de Arquitectura 2014

Por: C. Martinho

Um dos temas mais discutidos e aplaudidos no fórum de arquitectura realizado pela ordem dos arquitectos de Angola em junho do ano transacto , está reflectido acima, cujo prelector foi o Antropólogo e Historiador Patrício Batsikama, que na sua alocução apresentou conceitos e reflexões interessantes sobre os musseques e as centralidades numa visão antropológica.



A sua comunicação baseou-se na sua tese de doutoramento em antropologia  sobre a nação, nacionalidade e nacionalismo, um tema interessante com uma abordagem muito vasto reflectida em 1.014 páginas tendo cansado muito o júri, conforme depoimento do autor.

Segundo o historiador " os musseques são de facto as nossas origens", Musseque segundo ele é onde não há asfalto, tendo afirmado que podem ser definidos três tipos de Musseque: o físico, mental e social.

Para o prelector   existe uma confusão Urbanística, com casas sem rua, sem nada que se verifica na periferia das cidades de Angola, o que geralmente as pessoas pensam que é Musseque, mas segundo o antropólogo  " musseque não é só aquilo, musseque é uma vida, é uma solidariedade fora de sério".

Aconselhou a estar com as pessoas do musseque para ouvir os seus problemas, acordar com eles, e isto ajuda a perceber que musseque e cidade são coisas completamente diferentes, tendo considerado que existe a idéia do musseque físico que está associado aos bairros em volta da cidade, mas existe também um musseque mental.

" As pessoas que vivem no musseque têm um comportamento que é só deles . Eu andei durante quatro anos ouvindo conversas de pessoas vindas do musseque nos táxis colectivos (candogueiros), e as tais conversas não têm limites, não têm metodologia, começa numa conversa vai na outra" tendo considerado tal comportamento como reflexo do musseque.

O antropólogo diz que fez uma pesquisa na Cidade do Kilamba e teve de fingir de maluco, para pesquisar os baldes de lixo, com o objectivo de verificar os hábitos alimentares dos habitantes da urbe, e descobriu verdadeiros   " mussequeiros que vivem na cidade do Kilamba que levaram o musseque mental no Kilamba". Da sua pesquisa constatou que mais de 57% das pessoas que vivem no Kilamba são provenientes do musseque, como Rocha Pinto, Golfe, Cazenga, Bairro Uige, Cacuaco e outros, sendo que cerca de 42% dos habitantes vieram da cidade, como Mutamba, Kinaxixe, alguns de cidades de outras províncias.

Com base nos dados que colheu, o antropólogo conclui que a maioria dos habitantes da cidade do Kilamba vieram do musseque e ao falar com eles descobriu quatro tipo de linguagens . O Dr. Batstsikama considerou que os arquitectos quando projectam " obrigam as pessoas a comportarem-se de uma maneira, uma imposição das suas idéias". O historiador diz que encontrou " vários mundos no Kilamba", reflectidos nas diferentes formas de falar e comportar-se. Para ele seria bom que estes os diferentes mundos tivessem um diálogo, notou que quando a centralidade do Kilamba foi lançada não se pensou no " habitar", nas pessoas que iriam residir naquele local, isto começou na cidade de Luanda e o mesmo comportamento repete-se no Kilamba.

O palestrante considerou  interessante que antes de projectar/construir para as pessoas é preciso falar com elas, perceber a sua capacidade financeira, quais são os seus heróis, o mundo cultural deles, para que depois, quando for projectada uma cidade como Kilamba reservar-se espaços culturais para museus, onde podem ser encontrados referências da música e das artes daqueles povos.

" Angola tem um projecto que é de fortalecer a nação, criar o estado-nação mas isto só acontece quando houver diálogo entre as forças sociais" disse, tendo considerado a necessidade de aceitar a diversidade cultural e lingüística sem discriminação.

O antropólogo revelou que pensa em kicongo depois é que traduz para o português para que o intendam, tendo dito que as vezes pensa que esta a dizer uma coisa e as pessoas percebem outra, tendo mesmo considerado que " não sou lusófono nato", pensa numa língua e traduz para outras, e segundo ele, esta situação influência os seus actos, a sua forma de viver.

" Construir história com betão é metáfora" esclareceu o prelector, tendo defendido que quando lançamos uma centralidade estamos a escrever a nossa história no presente, mas no futuro os nossos actos serão lembrados. A questão é a seguinte: seremos lembrados como quem?

Para concluir o prelector deixou, breves recomendações :
Construir centralidades com personalidade urbana tendo em conta dinâmica que representa, de análise e abertura. Construir centralidades funcionais para que quem estiver lá a viver sinta que ela é funcional para ele, com escolas. A arte é fundamental, as crianças aprendem melhor quando na escola, creche ou centro infantil há referências da sua cultura, do seu  kimbo, estudando estas vertentes que considera fundamental.

Segundo o antropólogo o problema está no facto dos arquitectos pensarem numa língua, num suporte cultural diferente e exigirem que pessoas que pensam de outra forma ajam da mesma maneira. Para efeito é importante criar ferramentas institucionais culturais que levem em conta os habitantes com os seus hábitos e costumes.