CONVERSA COM O PRESIDENTE DA ORDEM DOS ARQUITECTOS DE ANGOLA
(1ª parte)
Texto: C. Martinho
Fotografia: E. Samaria
Como não podia deixar de ser, fomos à Ordem dos Arquitectos de Angola-OAA, falar com o seu presidente, o Arqº. Victor Leonel, sobre a Instituição, o exercício da profissão e temas da arquitectura e urbanismo. Nesta longa conversa que dividimos em duas partes, fomos informados sobre as actividades previstas para este ano e os projectos da OAA para a capacitação dos associados.
Victor Leonel é licenciado em arquitectura e urbanismo pela faculdade de engenharia da Universidade Agostinho Neto desde 1999, sendo também o actual vice-presidente da União Africana de Arquitectos, cargo que exerce desde o ano de 2011;
Sabemos que a OAA tem vindo a imprimir uma boa dinâmica no que diz respeito à actividades dirigidas aos associados. Como está a Ordem dos Arquitectos de Angola enquanto instituição?
A Ordem dos Arquitectos de Angola é uma instituição que foi criada em 2004, em 2006 o primeiro corpo directivo foi eleito e foi tudo uma experiência muito nova para todos nós, eu costumo dizer que isto é um processo que começou e só acaba quando o mundo acabar, ou quando alguém decidir isso por decreto, porque quem cria a Ordem é o Estado e este pode decidir que não faça sentido a sua existência, e o Estado somos todos nós. Então, a OAA tem um espaço de abordagem que é a arquitectura. Quem tratava destas questões era o Governo, portanto o espaço continua a ser o mesmo, só que a Instituição que passou a ter a preocupação de lidar com as questões relacionadas com a arquitectura e os arquitectos, deixou de ser o Governo e passou para a Ordem.
Muitas das situações que nós vamos tendo derivam, muitas vezes, da relutância que alguns órgãos do Governo têm em ceder o espaço que a Ordem merece por direito. Porque por exemplo, quando o Estatuto da Ordem, que é uma Lei, diz que "só os arquitectos inscritos na Ordem podem exercer arquitectura dentro do território Nacional, sob pena de incorrerem em crime e como tal serem indiciados criminalmente", quem facilita muitas vezes isto, aprova documentos, são em muitos casos elementos do Governo. Então é este processo que nós estamos a passar, precisamos convencer, não só do ponto de vista legal, até mesmo nas questões de procedimento, explicar às pessoas que o Estado criou a Ordem, tem objectivos e definições do que os profissionais devem ou não fazer, e dentro destas balizas nós precisamos actuar;
Uma das questões que muitas vezes se coloca tem a ver com o facto do regulamento de licenciamento de obras não especificar que Ordem profissional compete submeter à apreciação das Entidades Licenciadores os vários tipos de projectos que careçam de aprovação para execução de obras particulares. Em alguns Países como Portugal e Espanha, há uma clara delimitação do que é da responsabilidade dos arquitectos e dos engenheiros civis, o que tem gerado muitos debates em vários fóruns. Uma questão que se tem levantado é a seguinte: será que o simples projecto de um muro de vedação ou reabilitação de um imóvel, por exemplo, à remeter à uma Administração Municipal para licenciamento, tem de ser necessariamente elaborado por um Arquitecto?
Existe uma questão que é o objectivo do arquitecto. O arquitecto faz os seus projectos para o homem desenvolver-se no espaço em que o arquitecto intervém, não só do ponto de vista da harmonia como do ponto de vista estético. Quando se trata de um muro de vedação também estamos a ver do ponto de vista estético, porque o arquitecto, pelo facto de ser um muro de vedação, não vai se arrojar a fazer um projecto de fundações, isto é do âmbito do engenheiro, então é preciso "dar à Cesar o que é de Cesar". A lei é clara, ela define as abrangências da arquitectura, neste aspecto não há dúvidas, tanto a Ordem dos Arquitectos como a dos Engenheiros não vêem confusão nisso, as pessoas é que procuram confusão. Os objectivos estão definidos, o arquitecto faz o projecto do muro e o engenheiro faz a estrutura;
Mas temos situações em que o Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda (IPGUL), autorizou, há algum tempo, que engenheiros civis inscrevessem projectos cuja natureza não tivesse grande exigência em matéria de estética…
Mas o IPGUL desde Maio de 2013, deixou de aceitar a entrada de projectos sem uma declaração da Ordem dos Arquitectos no caso dos arquitectos e no caso dos engenheiros, da respectiva Ordem. Portanto, esta questão em Luanda está resolvida;
O ano passado foi rico em actividades promovidas pela Ordem e está de parabéns pelo facto. Verificamos o envolvimento da OAA em várias actividades relacionadas com a arquitectura, o urbanismo e ordenamento do território o que é de ressaltar. O quê que teremos este ano?
O desafio que lançamos para a Ordem foi a organização de fóruns, que sejam repetidos frequentemente. Nós fizemos o primeiro fórum em 2013 no Sumbe, foi um desafio enormíssimo porque nem havia experiencia disso, organizamos o segundo no ano passado no Lobito e vamos organizar o terceiro fórum este ano, estamos inclinados a organizar no Huambo, temos muitas informações sobre esta Província e queremos que seja na Cidade do Huambo. Naturalmente, não queremos organizar o fórum sem o envolvimento das Estruturas Governamentais, e então vamos para lá para comunicar ao Governo a nossa intenção. Vamos continuar a organizar os prémios de arquitectura, vamos organizar seminários, palestras em suma, vamos realizar o que fizemos o ano passado mais alguma coisa;
Aspecto do fórum Internacional de Arquitectura-Lobito 2014
Porquê que não são realizadas outras actividades, para além dos fóruns, visando elevar o grau de conhecimento/capacitação dos arquitectos associados?
Estamos a preparar seminários e formações, neste momento estamos a negociar com formadores para o efeito;
Capa do Programa do Fórum sob o Lema "O homem e o Território"-OAA 2014
Em muitas sociedades valorizam-se os artistas, como os pintores, escritores e músicos mas os arquitectos são esquecidos. Qual é a apreciação que a OAA faz? Acham que a arquitectura e o arquitecto são valorizados?
Ainda não, mas passa tudo por nós respeitarmos as regras, estas estão mais ou menos definidas no Estatuto da OAA, então se nós conseguirmos respeitar estas regras vamos chegar lá. Só conseguiremos melhorar a nossa performance se nós trabalharmos. Se eu fizer um projecto por ano e for pequeno, não terei oportunidade de melhorar a minha qualidade de projectar. Quem tem estado a desenvolver muitos projectos tem estado a melhorar cada vez mais, porque a própria dinâmica obriga-lhe a pesquisar, nós infelizmente temos um mercado em que uma boa parte dos arquitectos que estão a funcionar, os que mais têm trabalho são ilegais, a maior parte dos arquitectos portugueses e brasileiros a trabalhar em arquitectura são ilegais, porque não estão inscritos na OAA, quem não está inscrito e exerce a profissão de arquitecto é ilegal. Então nós estamos a concorrer com criminosos.
Vou fazer um paralelismo com o desporto e a música: tal como ouvimos falar do Bonga, do Mantorras, também queremos ouvir falar dos arquitectos angolanos famosos, é por isso que estamos a criar os prémios de arquitectura, definir os critérios para o efeito, divulgar os prémios ao nível nacional e internacional, temos a possibilidade de fazer a divulgação a todos níveis e a partir dai os arquitectos vão começar a ser conhecidos, quer nacionais ou estrangeiros, desde que sejam inscritos na Ordem, que estejam a desenvolver projectos interessantes;
"Uma boa parte dos arquitectos que estão a funcionar, os que mais têm trabalho são ilegais...estamos a concorrer com criminosos "
Como está a participação dos associados/arquitectos em relação as actividades da Ordem, quer no tocante às quotas e a participação em diversos fóruns?
O arquitecto começou por participar de uma forma tímida, porque nós temos o hábito de pensar que as instituições não nos pertencem. A Ordem (como o Estado) somos todos nós, uma das coisas que temos estado a fazer para que as pessoas percebam é isto: A Ordem somos todos nós, a direcção da Ordem neste momento está por um mandato, quando acabar o mandato vai sair e veem outras pessoas e vamos continuar a ter esta relação com os arquitectos, vamos continuar a ter uma boa relação com o novo elenco directivo, como eu tenho uma boa relação com o Gameiro que foi presidente da Ordem. As pessoas estão a vir timidamente, vou lhe dar um exemplo: no fórum do Sumbe o total de arquitectos que saíram daqui (Luanda) foi por volta de 60 pessoas, sendo 20 estrangeiros e 40 nacionais. No fórum do Lobito foram cerca de duzentas pessoas a sair de Luanda, isto significa que o número de arquitectos que participou no Lobito em relação ao Sumbe triplicou, e acho que neste ano o número, naturalmente aumentará….
"Temos o hábito de pensar que as instituições não nos pertencem. A Ordem somos todos nós"
Que arquitecto temos do ponto de vista intelectual? O arquitecto angolano é uma pessoa que lê, estuda, interessado com a academia e o conhecimento? Como avalia o perfil do arquitecto angolano no geral?
O conhecimento do arquitecto Angolano também é um processo. Se reparar para os arquitectos nacionais no geral, estamos quase perante a primeira geração de arquitectos, eles não tiveram referências do pai e o avô, como acontece na Europa e em outros Países mais desenvolvidos. Portanto ele (o arquitecto) faz como o pai fez porque achou que o pai fazia bem. A primeira geração é a nossa, nós estamos a "partir a pedra", estamos na pedreira, os que vêem por traz de nós vão fazer as "bancadas", o "mármore", vão fazer a "casa bonitinha". Por outro lado, o arquitecto trabalha com a população/sociedade, a guerra acabou em 2002, as pessoas precisam fazer estudos/pesquisas e muitos deles devem ser feitas fora dos grandes centros urbanos. Eu vejo algumas pesquisas feitas cá dentro das urbes, mas existe a essência da arquitectura angolana, tem que se ir buscar onde está a população, aquilo que a população está a fazer sem interferência do ocidente, é preciso ir para lá e perceber;
É aquilo que se pode considerar arquitectura identitária? Algo que nos identifica mais, um pouco afastado do ocidente?...
Não tem que ser necessariamente afastado do ocidente, mas é aquilo que a população produz. Agora, nós podemos fazer esta abordagem com outros conceitos, pegar na espinha dorsal daquela arquitectura e dar outros elementos.
Mas esta arquitectura que me fala não é feita por arquitectos….
Não, é feita pela população.
Mas considera que esta arquitectura deve ser objecto de estudo?
Sim, esta arquitectura deve ser objecto de estudo pelos arquitectos;
Casa tradicional da região do Dondo/Cuanza-Norte(fonte:google)
Falando da formação em arquitectura, como acha que estamos em termos de conteúdo e o próprio ensino da arquitectura em Angola?
O nosso currículo tem um problema que está relacionado com a influência ocidental na cultura Africana. Nós estudamos história da arquitectura do ocidente, a antropologia do espaço do ponto de vista do ocidente. Portanto, é preciso que existam estudiosos para exporem os estudos feitos e as conclusões que se chegam em função da vivência da população, porque por exemplo a cozinha ocidental não tem nada a ver com a cozinha africana, a casa de banho ocidental não tem nada a ver com a africana;
Então, o quê que a Ordem dos Arquitectos (nós) deve (mos) fazer, para que estes currículos/conteúdos, estas cadeiras se adequem mais à nossa realidade, às nossas necessidades?
A Ordem começa por aconselhar as pessoas a irem para o campo para fazer pesquisas/estudos e nós seremos parceiros, porque só quando as pessoas tiverem estas pesquisas elaboradas é que a sociedade vai dar mérito a estes trabalhos, aí sim teremos especialistas que poderão introduzir estes estudos nas universidades.
Não adianta dizer que vamos ensinar a cozinha africana, porque nós não conhecemos quem sabe como é que a cozinha africana realmente é;
Nas conversas que temos tido com vários arquitectos, quando tocamos na questão da qualidade do ensino da arquitectura sempre mencionam o papel da Ordem, e dizem que podia fazer alguma coisa para influenciar ou apelar as instituições de ensino da arquitectura, no sentido de adequar, na medida do possível, os currículos das Universidades. Mas parece que sonha-se muito, pois não?
Até estas interrogações são sonhadoras, porque como disse, a Ordem dos Arquitectos somos todos nós. A Ordem não faz estudos, são as pessoas que fazem estudos, então se alguém aparecer aqui e disser que precisa de apoio para ir ao Chongoroi, Cunene ou outro lugar com objectivo de fazer estudos sobre a casa daquela região, para ficar um ou dois meses com o seu equipamento de trabalho, a Ordem, primeiro pode ver se consegue parceiros para apoiar em despesas de hospedagem, se não conseguir apoios do pouco que tem vai patrocinar estes pessoas que sãos as que se tornarão especialistas;
Quando conversamos com o Arqº. Pedro Neto sugeriu a introdução de uma cadeira de história de arquitectura de Angola, o que lhe parece?
E quem conhece a história da arquitectura de angola?
É ai onde reside o problema, não há bibliografia sobre arquitectura de Angola….
Por isso, é preciso que haja disponibilidade das pessoas em aprender e pesquisar;
Como está a produção bibliográfica em arquitectura, porquê que os arquitectos não estão a escrever?
Isto tem a ver com o comprometimento dos arquitectos com a sociedade, nós precisamos trabalhar com arquitectos e instituições que estão disponíveis para começar a fazer sair bibliografia, porque onde editam os anuários da Ordem os arquitectos podem publicar livros, a vontade e disponibilidade da nossa parte existe, é preciso, se calhar, arranjar uma equipa que vai ajudar a preparar na melhoria de aspectos específicos, a Ordem é dos arquitectos para os arquitectos.
Acha que a arquitectura e urbanismo junto, como é ensinado cá em Angola é o melhor caminho? Não seria melhor separar como acontece em algumas escolas na Europa?
Não necessariamente, na Europa também há escolas que ensinam arquitectura e urbanismo, e nem por isso o arquitecto é mais qualificado ou menos qualificado. A qualificação depende da nossa própria disponibilidade em aprender mais. Costuma-se dizer que quando acabamos a formação o nosso nível de conhecimento é zero, então para partirmos para o ponto positivo precisamos aprender. Quem não tiver disponibilidade e encomendas para aprender dificilmente cresce, dai eu bater na tecla de que para exercer a profissão tem que estar inscrito aqui na Ordem para podermos saber quem está a trabalhar, porque não faz sentido que um arquitecto estar formado há 10/20 anos e só fez dois, três ou quatro trabalhos. E se calhar vem alguém que nem está inscrito na Ordem pega um projecto e vai desenvolver. Porque é importante esta questão das inscrições? Por causa da responsabilidade, qualquer projecto que é feito tem que ser acompanhado de um termo de responsabilidade, se a pessoa que apresenta um projecto não tem nenhuma ligação com a Ordem, se alguma coisa de errado acontecer como é que se vai penalizar?
Nós muitas vezes temos arquitectos aqui que não sabemos se nos Países deles já lhes proibiram projectar, então temos que ter cuidado com isso. Temos que promover os nossos arquitectos, para que amanhã tenhamos também os nossos "Niemeyer". Oscar Niemeyer que hoje é famoso com certeza quando começou Brasília não era, fez uma série de trabalhos e teve oportunidade de mostrar o que sabe fazer por projectar os edifícios que o tornaram conhecido, e isto é que é necessário, termos oportunidade de mostrar o que sabemos fazer. Podemos ter a criação como um dom com que nascemos, como podemos desenvolver este dom. Vou dar um exemplo: repare para a maior parte dos arquitectos que receberam o Pritzker ou outros prémios internacionais, dificilmente encontras um arquitecto com menos de 50 anos de idade, porque quase todo mundo na Europa forma-se com vinte e poucos anos, eles levam mais de vinte anos a amadurecer, então nós estamos numa fase em que estamos todos com dez/quinze anos. Temos de dar tempo ao tempo, mas isto só acontece se trabalharmos;
Mas ainda assim, mesmo neste processo de maturação, podemos dizer que há alguns bons exemplos? Nas conversas que vamos tendo há os que consideram que não temos arquitectura, outros têm opinião diferente, qual é a vossa apreciação?
Nós temos bons exemplos, não muitos ainda, mas temos alguns bons arquitectos, daí que um dos prémios que estamos a lançar é o Concurso Nacional de Arquitectura, em que os arquitectos pegam em projectos que eles elaboraram e que foram construídos, e depois submetem à Ordem para apreciação, de modos que nós percebamos o que está a ser feito a nível do País e qual é a qualidade destes trabalhos, os melhores vão ser premiados;
Quando avaliam os trabalhos que são feitos por arquitectos no País chegam a conclusão de que alguma coisa está a ser feita?
O Concurso vai ser lançado este ano, mas todos nós quando passamos pela rua vemos e avaliamos de modo geral o que está a ser feito, recebemos informação de que aquele projecto foi elaborado pelo arquitecto fulano ou sicrano, que são nossos colegas, então nós percebemos que algum trabalho está a ser feito com muita qualidade.
Revisão: J. António
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