quinta-feira, 12 de março de 2015
ENTREVISTA COM SIMÕES LOPES DE CARVALHO
Fonte: Semanário angolense(2011)
Fernão Lopes Simões de Carvalho, o autor do primeiro plano de Urbanização de Luanda , natural de Luanda é o homem que criou o gabinete de urbanização de Angola, nos primórdios dos anos 60, tendo, em 1962, projectado o plano de urbanização do então distrito de Luanda.
Trabalhou no plano dos lotes do prenda, as chamadas unidades de vizinhança, projectou o bairro dos pescadores, na Ilha de Luanda e a zona do Futungo de Belas. Nesta conversa com o semanário Angolense, o urbanista emite a sua opinião em relação a ilha artificial que está a se erguer na baía de Luanda e, enquanto mais velho, apresenta-nos a receita para um êxito de um profícuo plano de urbanização.
É este experimentado arquitecto, que trabalhou com o prestigiado urbanista Le Corbusier, que o SA entrevistou, a margem do X congresso da União Africana dos Arquitectos, decorrido em Luanda, de 14 a 17 de Junho de 2011.
Por: Cláudio Fortuna
SA- Como vai para a arquitectura?
SC- Fui, porque o meu pai chegou a essa conclusão. Frequentei o liceu salvador Correia somente durante três anos, e porque o meu irmão mais velho não havia conseguido grandes notas no liceu e foi para o ensino particular, o meu pai achou por bem mandar-nos para metrópole, para Lisboa a fim de estudarmos. Posto lá, entusiasmei-me com a arquitectura ou seja, sempre tive vontade de fazer projectos, casas, porque me fazia muita impressão ver todas as manhãs, milhares de empregados indígenas descerem as barrocas e irem trabalhar. E como tinha convivido com eles nos meus quintais, ainda hoje tenho umas medalhas nas pernas que adquiri nesta altura, porque andava na terra a brincar com eles, que eram feitas com cacos de garrafas, não sei porquê, mas o facto é que ainda hoje tenho estas medalhas nas pernas. Então, tive sempre o desejo de fazer arquitectura, na altura até fiz um concurso para o superior técnico, julgando que era o engenheiro que fazia casa. Depois, cheguei a conclusão que não era o arquitecto. Então, fui para a arquitectura e, a certa altura, tive de cumprir o serviço militar, e porque estava dispensado das aulas deixei de assistir, então compassava com leituras de uns livros do Gasson Bardé, que foi um grande professor de urbanismo, na Bélgica, e também no norte de África, Linbandine Blandumir e Pierre Surtie. Comecei a estudar esses livros na tropa, porque não podia ir às aulas, quando fosse às aulas de urbanologia, que era na altura como se chamava em Lisboa, no largo da biblioteca, ao pé do Chiado, cheguei à conclusão que eles também não me ensinavam nada de urbanismo, que o professor Paulino Montez, que ate era o director só dava parte de glométrica, dizendo que, se quiséssemos que a cidade se expandisse para um determinado sítio, teríamos de colocar lá um parque. Foi o que fizeram com o parque Bom Santo e pouco mais ensinava, havia o assistente, Rui Teixeira que nos mandava fazer um plano de urbanização de umas termas, ah! Já sabia mais do que eles, através dos livros que estava estudar da Bélgica, do Gasson Bardier, então cheguei a conclusão que tinha de ir aprender urbanismo e achava que era pouco estudar somente aquilo.
Entusiasmei-me e um dia, fui a boleia dada por um rapaz aqui de Angola, Rui Martins da Silva, cujo pai era dono do primeiro arranha-céus que se fez na marginal, que era um homem dos cafés e casou Barbahã, filha do Dante Barbahã.
Eles foram daqui de Angola, iam para Paris, e eu disse-lhe que gostaria de ir para Paris e pretendia aproveitar a boleia deles, por isso, fui pedir uma bolsa de estudos no Governo, por meio do Instituto da Cultura Português, disseram-me que não davam bolsas à arquitectos que não tivessem já o diploma. É claro que já tinha o curso, só queria ir defender uma tese, acabei por ir para Paris de boleia e fazer o curso de urbanismo, ao mesmo tempo que começo a trabalhar com Le Corbusier, numa sua equipa, que era dirigida por Andrew Bonjasky, autor dos projectos de execução de Le Corbusier.
SA- Como foi ter contacto com um gigante da dimensão de Le Corbusier?
SC- Em Portugal, tive contacto com um arquitecto do Porto, que me dizia que era muito difícil entrar no escritório de Le Corbusier, mas como sempre fui muito ambicioso, logo quis ir para o melhor e como o melhor na altura era o Le Corbusier, fui. Depois tive dificuldades em entrar e trabalhar com ele, mas lá lutei e consegui entrar para a equipa, dirigida na altura por Andrew Bonjasky, que desenvolvia os projectos de Le Corbusier.
SA- E a experiência de estar em Paris e depois a vinda para a Luanda trabalhar nos seus primeiros planos directores?
SC- Repare, quando acabei o curso de arquitectura, a tese defendia-se uns anos depois de fazer um estágio, e tinha necessidade de fazer um estágio, que fiz, primeiro no gabinete do arquitecto Lima Franco e Manolo Potier. Lima Franco era um arquitecto que fazia quase todos os planos de urbanização da cidade de Lisboa, foi aí onde conheci um desenhador que, sabendo que eu era de Luanda, que queria vir para cá fazer um estagio, disse-me assim: o melhor que tem a fazer é ir para Luanda e aprender urbanismo, porque vi que com o Lima Franco e Manolo Potier não aprendi urbanismo, quem fazia lá urbanismo era desenhador, de que não me lembro o nome agora. Foi esse desenhador que me aconselhou a ir para o gabinete de urbanização do Ultramar, que era na Alameda Afonso Henriques, em Lisboa. De repente Fiquei a pensar como é que havia de entrar!
Num determinado dia, ia passar pela Marques Pombal, cá em Luanda, tive cá um professora de canto coral no liceu, e, ao passar pela Marques de Pombal, surge um indivíduo, chama-me, dá um abraço e diz assim: eu sou Macho da Cruz, o que você esta aqui a fazer? Respondi-lhe, olha acabei de fazer o curso de arquitectura, tenho de fazer uma tese, mas tenho de fazer primeiro um estágio, que gostava de fazer no gabinete de urbanização do Ministério do ultramar, mas não sei como hei-de fazer.
E ele diz-me assim: mas você quer ir ao gabinete de urbanização? Está bem. Puxou um cartão que dizia qualquer coisa Machado da Cruz, cone de Kalus, perguntou-me: mas quem é que o director? Disse-lhe que era o arquitecto Aguiar e o Círios Cruz. Então fez-me um cartão dizendo: Caro amigo, vai um meu protegido, que gostava muito de trabalhar consigo. Quando chego, fiquei convencido que o arquitecto Aguiar nem conhecia o cone de Kalus. Mas o que sei dizer é que ele mandou-me esperar e me admitiu no gabinete de urbanização do Ultramar, onde já havia outros estagiários, mas passado pouco tempo a quem eles tratavam por arquitecto, mesmo sendo ainda diplomado. Quando lhes disse que queria aprender urbanismo, ficaram admirados, mas também o arquitecto Aguiar não fazia urbanismo, quem, fazia afinal os planos era o desenhador que me tinha aconselhado a ir para lá. E digo, oh aqui também não aprendo nada, porque, no fundo, todos os planos que vocês viram ali, projectos na comunicação da Manuela da Fonte, são planos sem uma base de inquérito preliminar da população, sem uma base profunda do estudo da terra, da topografia, da construção, geológica, nada disso! Eram feitos no Ministério do Ultramar, eram mais desenhos que outra coisa, que, afinal de contas, não eram concretizados, porque não tinham uma base que deve existir no urbanismo, que é a resolução dos estudos preliminares dos inquéritos a população, os inquéritos ao clima, ao terreno, tudo isto tem de ser feito, e eles lá não faziam. Digo então, tenho de me ir embora, vou para Paris, fui pedir uma bolsa ao Instituto da Cultura, disseram-me que só davam as pessoas com diploma, foi assim que, em 1955 fui para a França.
SA- Em que Universidade estudou em Paris?
SC- Foi na Sorbonne , que era o Instituto de Urbanismo da cidade de Paris, faculdade de letras de Sorbonne. Depois, e como tinha deixado amigos no gabinete de urbanização do ultramar, quando houve os concursos para os planos directores em Angola, avisaram-me, mas como não tinha o diploma, que só vim a defender seis anos depois, porque até não era preciso a tese, o próprio director do Instituto passou-me um papel a dizer que estava apto e que quinze dias depois teria o diploma. E tinha o papel de Le Corbusier, dizendo que estava a trabalhar com ele e que estava apto a fazer arquitectura sozinho, mas o que sei é que não me ligaram nenhuma, com a única razão de já havia outras influências e outros programas de fazer o plano de urbanização daquela zona, que haviam sido impostos ao Ministério.
SA- Como foi criado o Gabinete de Urbanização de Angola?
Quando cá cheguei, apresentei-me ao Gabinete, mas a Câmara não me recebeu. Mandei dizer isto ao Ministério do ultramar, foi o próprio ministério do ultramar que me enviou para liceu Salvador Correia, onde passei a dar aulas de geometria descritiva. Quer dizer, eles sabiam, porque vim parar a Angola com passagens pagas pelo Ministério do Ultramar, eu, a minha mulher e os meus bebés, num barco que se chamava o Kwanza.
Plano para o Bairro dos pescadores Ilha de Luanda/Arq. Simões de Carvalho 1963(Fonte: Manuela da Fonte 2012)
SA- Quantos planos projectou para Luanda?
SC- Oh! Não sou capaz de lhe dizer, porque, a certa altura, os planos directores não servem para construir, o que permite a construção são os planos de pormenor. Depois da célebre reviravolta das catanas, como a gente lhe chamava, que matou muita população indígena e europeia, indiscriminadamente na altura, tive necessidade de propor ao Presidente da Câmara, que se passasse imediatamente aos planos de pormenor, que havia de permitir a construção, por exemplo, do Bairro dos Ferreiras, que fica entre a Avenida do hospital e a de Serpa pinto, havia um bairro de moradias antigas. Dada a proximidade do centro, propus logo a habitação colectiva, quer dizer, tinha de se fazer um reajustamento parcelar ou seja, unir vários lotes de casas para fazer blocos de habitação colectiva, porque se precisava uma densidade de população no centro também. Tudo isto foi feito no gabinete de urbanização, sob minha orientação, houve muitos planos desses. Por exemplo atraiu-se o J.Pimenta, que era um grande construtor em Lisboa, veio para cá construir, desenvolveu-se o António Campino, entusiasmou-se de tal forma com esta cidade que quis fazer por detrás da estátua da Maria da Fonte, ao Kinaxixi, chegou a projectar lá no gabinete uma catana, era uma estátua a catana, porque, no fim de contas, despertou a vontade de fazer isso andar para frente. Depois começou-se a fazer planos de pormenor que permitiram construir em Luanda coisas já baseadas nos planos de pormenor, porque uma coisa que se deve fazer é que o plano director não serve para dar lugar a construção, são os planos de pormenor que dão lugar a construção e devem criar uma disciplina arquitectónica. Isso você pode ver nas minhas maquetas, que fizeram o gabinete de urbanização, dá logo a volumetria e o tipo de construção a fazer. A área de acesso ao pilar ou não, dá tudo, isto é o regulamento dado por mim, directamente.
Eles não encontram coisas escritas, umas das coisas que me foram perguntadas em Lisboa, foi esta gente que agora encontrou coisas minhas no gabinete, perguntaram-me se não havia nada escrito. Respondi que, tudo bem, posso dizer o que é que há, porque, a certa altura, o plano director já estava na minha cabeça, e num esquema de escala 2500, estavam as grandes linhas mestras, no entanto, era para fazer unidades de vizinhança.
Unidades de vizinhança do Prenda/Arq. Simões Lopes de Carvalho(Fonte. Google)
SA- Particularmente na baixa de Luanda, quais foram as zonas em que esteve envolvido como urbanista?
SC- Bom! Houve o Comando Naval, que era para limitar a certa altura que os técnicos das Câmaras, quer em Portugal continental quer nas Províncias Ultramarinas, como lhes chamavam, eram muito mal pagos, o que gera a corrupção, e porque eles tinham de alimentar as famílias e os ordenados eram tão baixos que nem dava para alimentar as famílias, que tinham que fazer projectos por fora. Por exemplo, vivi particularmente no Rio de Janeiro e nunca precisei trabalhar mais de seis horas por dia.
Em Portugal e aqui trabalhava-se dia e noite, sábados e domingo, e os arquitectos dos serviços oficias eram sempre mal pagos, dai gerasse a corrupção. Toda vida combati a corrupção, e que o governo da província fazia? Como não queria projectar para as zonas que odiava, dava-me edifícios para projectar, por exemplo, ganhei o concurso do centro da emissora oficial, que é hoje, a Rádio Nacional de Angola. Ganhei porque? Porque, quando defendi a minha tese, que preparei enquanto estava em Paris, havia ido visitar os centros de televisão franceses, depois fui a Londres, ai preparei uma tese, que defendi em Lisboa. Foi um centro de televisão que estudei em Paris e em Londres, quando fui defender, era o professor Brandão, que já conhecia de Angola, cujo pai foi director do hospital Maria Pia e coronel médico.
Edifício da Radio Nacional de Angola, projcto de Simões Lopes de Carvalho(Fonte: Google)
O filho andou comigo na escola primária, cá, e nas explicações do célebre Augusto Chaviata, que era professor fabuloso, e do professor Teixeira. Ah, umas das grandes praças que projectei para a baixa, era a praça das Portas do Mar, que ia do Banco de Angola ate aos correios, em homenagem ao antigo Cais que ali existia e onde os barcos desembarcavam, ainda não havia aquele molho do porto, isto foi antes de eu ir para Portugal, na década de 1940. Nessa altura, não havia o porto de Luanda, os barcos atracavam na Baia, onde também fundeavam, e depois viam-se gasolinas, que eram pequenos barcos que levaram os passageiros até as Portas do Mar. Tenho na minha memória que as portas de Mar passavam assim uma grande praça que, infelizmente, não se fez.
Perpectiva do Edifício da Faculdade de Medicina-Luanda/Arq. Simões de Carvalho 1963(Fonte: Manuela da Fonte/2012)
SA- Gostava de ouvir a sua virtude de razão em torno dos condomínios fechados, porquê que tem uma aversão aos condomínios?
SC- Tenho, porque o condomínio é uma segregação, não se pode fazer um plano de urbanização assim desta maneira, um plano de urbanização só é valido se promover o desenvolvimento económico, social e cultural das populações. Você acha que o condomínio fechado vai contribuir para o desenvolvimento do pobre que existe em Luanda, daquele? Os indivíduos que estão aqui a morrer a fome à volta? Não vai!
SA- Isso implica exclusão Social, arquitecto?
SC- Claro! Já esta a criar, e está provado que, no mundo inteiro, onde houver exclusão social, há revoltas da população, há crimes, há tudo mas, a revolta é própria dos podres em relação àqueles que vivem nos condomínios. E com que razão é que eles fazem os condomínios? Dizem ser questão de defesa, francamente, a defesa é compreendida ao povo que nada tem? Desde que ele seja educado a perceber que tem de trabalhar para chegar onde o outro chegou. Os meus pais não eram ricos, faço os planos para ver se as populações todas enriquecem e não para empobrecerem, é para enriquecerem, é só com contacto entre as várias categorias sócias que os mais pobres se desenvolvem. Portanto, os condomínios fechados são segregações, e não pode haver segregação numa cidade.
SA- Como viu a destruição do mercado do Kinaxixi?
Mal, porque era uma obra de um grande arquitecto, que foi o Vasco Viera Da Costa, uma obra de um movimento moderno, pode dizer-se que pertencia ao movimento moderno e que poderia mudar-se-lhe a função, se quisessem, podia transformar-se num centro comercial, mas destruir...muito mal! Sei que é um grupo económico de grande potência que lá esta a construir mais uns monstros que vão descaracterizar aquela parte da cidade, não acho que tenha sido uma boa solução.
SA- Tem-se dito que aquela zona do Kinaxixi é uma área sensível, por causa do nível freático…
SC- Sem dúvida nenhuma, nível freático, não digo. Mas a baixa de Luanda é uma zona sensível, sei por exemplo, que na baixa, a um metro, encontramos a água do mar, e estão a fazer caves na baixa, com não sei quantos pisos, as fundações desses prédios custam uma fortuna, está a se desperdiçar muito dinheiro. Sei que Angola é muito rica, mas está-se a deixar perder muito dinheiro estupidamente, a baixa de Luanda não podia ter prédios altos. Se a ilha de Luanda um dia desaparecer, com o degelo que está no pólo norte, a água dos mares que estão a aumentar. Em Portugal, por exemplo, a zona de Kaxis e partes está em risco de ser inundada, a Ilha de Luanda e a baixa de Luanda, também, vão também um dia sofrer esse impacto, esses tsunamis que temos, caso um dia isso cá chegue. Tudo se está a fazer erradamente, fazer caves para estacionamento na baixa de Luanda, quanto é que você julga que deve estar a custar? Uma fortuna louca, porque aquilo é água, está-se a desperdiçar dinheiro, assim como os vidros que são usados aqui.
SA- Há um projecto megalómano do governo angolano que é de construção de um milhão de casas. Enquanto arquitecto urbanista, acha que é possível fazer-se nesta legislatura?
SC- Acho muita pressa, e continuo a dizer que, se esse um milhão tiver em consideração a habitação do povo, habitação dos indivíduos que vivem hoje nos musseques, se construírem para as populações que vem dos musseques, essas populações não vão saber habitar naquilo, não se vão sentir bem. Devem, primeiro, passar pelos tais bairros-escolas antes de irem para essas habitações. Ouvi dizer que estavam a fazer blocos de habitação colectiva com vários andares para por as populações que vão sair do musseques, não pode, eles não sabem habitar naquele espaço. Os portugueses, já lhe disse, na Europa, não conseguiram isso, as banheiras serviam de celeiros, os corrimões das escadas eram vendidos, porque eram economicamente débeis, não tinham dinheiro, então retiravam os corrimões e vendiam os ferros para terem dinheiro. Ora isto são coisas que acontecem a nível europeu, quanto mais entre nós!
SA- Precisamos de outros bairros indígenas?
SC- Não, precisamos de bairros-escolas, os bairros indígenas não podem ser só bairros indígenas, temos de fazer a mesclagem, que são tais unidades de vizinhança, não podemos fazer só bairros em que as várias categorias sócias se misturem, não podemos agarrar e fazer só casas para um tipo de população economicamente débil, não podemos, temos de as misturar com populações de mais rendimentos. Quando fizermos isso, não será preciso fazer-se condomínios fechados, os vizinhos nunca atacam os vizinhos, porque sentem apoio neles, as raízes são estas, é convivência social que é preciso promover.
SA- Há quem diga que no plano de De Groer continha uma componente do verde muito acentuada…
SC- Sim, mas o meu também tinha, previa, depois de toda esta zona, e para já, por detrás do aeroporto, era uma linha de àgua que era transformada, com cerca de quinhentos metros de largura, em zona verde, e em cada uma daquelas partes havia uma zona industrial, com quinhentos metros de largura. Depois havia zonas de habitação, para separar a zona industrial da zona de habitação, era tudo verde, passava do plano radicocêntrico para o plano linear ao longo da costa, a caminho do Kwanza. É o que se está a fazer, mas com os condomínios fechados, em vez de fazer com unidades de vizinhança, em que se misturariam as varias etnias e as varias categorias sociais.
SA- Segundo se diz, Vasco Viera Da Costa defendia muito a circulação dos ventos nos seus planos, o que sabe sobre isso?
SC- O Vasco Viera Da Costa não tinha plano para Luanda, pelo menos não conheço.
SA- Pelo menos nos seus projectos, havia essa componente, como foi o caso do Mercado do Kinaxixi, e do edifício das Obras Publicas?
SC- Ah! Isso está bem, mas é de Arquitectura. Repare que o edifício das obras publicas esta integrado no plano de massa que fiz da baixa de Luanda. Ainda eu estava no Gabinete, ele foi ter comigo a pedir regras para projectar aquele edifício, ele cumpriu e fez muito bem, porque era, de facto, um grande arquitecto. Agora, é preciso ter-se em consideração que Angola não tem só um clima, toda a parte costeira, a parte marítima, é dum clima, mas o interior já não é um clima igual, não precisa de ventilação transversal. No interior, temos climas frios secos, ambientação transversal interessa para a parte dos climas litorais e tem as brisas marítimas, que são frescas e podem promover a frescura para uma ventilação transversal.
SA- Enquanto arquitecto-urbanista, quais são os requisitos fundamentais para se fazer um bom plano de urbanização?
SC- Antes de mais nada, constituir uma equipa pluridisciplinar, envolvendo geográficos, sociólogos, demógrafos, historiadores, antropólogos, indivíduos que conhecem a qualidade dos solos, agrónomos, hoje, é prioritário criar-se aldeamentos agrícolas no interior, para fixar as populações, porque a população não vive do petróleo, não come petróleo, só está a enriquecer o estrangeiro que vem cá busca-lo, determinadas classes políticas e mais nada, é preciso dar alimentação ao povo, o povo sabe cultivar a terra, é fácil, é a terra, a agricultura, a pastorícia e a pesca que tem de ser desenvolvida.
quarta-feira, 11 de março de 2015
ENTREVISTA COM O ARQº. PEDRO NETO (Parte 2)
"EM URBANISMO NÃO EXISTE LARGO DAS ESCOLAS, É UM ERRO QUE PROVOCA DESURBANIZAÇÃO"
Por: C. Martinho
Arq. Pedro Neto, um homem que afirma estar realizado
Nesta ultima parte da entrevista Pedro Homem revela-se um profissional realizado falando de si nas várias vertentes, aborda questões/conceitos do urbanismo que é feito em Angola, aponta soluções para o trânsito na cidade de Luanda, analisa a velha questão da elaboração e aplicação dos planos e não deixa de reflectir sobre o ensino da arquitectura e do papel da Ordem dos arquitectos;
Falemos agora de outra escala da arquitectura: o urbanismo. Como avalia o planeamento e a gestão urbana em angola em geral e luanda em particular?
É interessante que tenho dito ao pessoal que é mais fácil ser arquitecto do que ser urbanista. Hoje muita gente, depois de terminar o curso de arquitectura, diz que é arquitecto-urbanista, ourbanismo é muito complexo, envolve muitas outras áreas e disciplinas. Fazer um arranjo urbanístico numa zona como Luanda não é brincadeira, mas também não é coisa de outro mundo. Hoje por exemplo estão a desconcentrar os serviçosadministrativos em Luanda, deviam-se juntar todos osresponsáveis dos municípios e definir apenas "linhas estruturantes" e depois cada município também definir linhasestruturantes para as comunas. O projecto podia começar na comuna, pois o conjunto das linhas estruturantes da comuna daria as do município, e do Município daria as do País. O medo que eu tenho é o seguinte: fala-se muito do plano director de luanda, mas este instrumento vai incidir sobre que terras? Não existem terrenos em Luanda, a menos que for nas outrasProvíncias ou localidades devido a reclassificação, que é outro grande problema.
Em que consiste a reclassificação?
O conceito de reclassificação consiste no seguinte: o Governo tem um território e depois decide amplia-lo, isto em urbanismo chama-se reclassificação. Segundo a Organização das Nações Unidas as cidades mais complexas do Mundo têm mais de 10% da população do seu País. Luanda, é das cidades mais populosas pois tem mais de 35% da população de Angola, isto porque o Governo não compreende que não pode ampliar o território, quanto menor for o território melhor é a sua gestão, então hoje temos muito mais dificuldade em fazer um plano director para toda Luanda, porque agora tem um território muito grande, com uma população muito concentrada, providenciar serviços para uma população concentrada é muito mais difícil, é muito mais difícil criar um elemento importante no arranjo urbanístico, que são as vias, que não temos.
Hoje nós estamos a adiar um problema sério em Luanda, principalmente no trânsito em que devemos projectar novas vias, não estou a dizer ampliar as vias existentes, conforme está a ser feito agora, isto não resolve. É interessante que tanto, em inglês, português, espanhol como em francês, "engarrafamento" vem de garrafa que depois no gargalho afunila. Em Luanda é isso que acontece. Nós ainda não pensamos no seguinte: qual é a maneira mais rápida de levar a população de Viana e Cacuaco até ao centro da Cidade? Pensamos passar por uma via, mas é necessário partir (demolir) edificações, outra alternativa seria, como fazem os novos Estados, colocar no ar, assim resolve-se o problema;
Hoje temos graves problemas em confundir projectos de loteamento, requalificação ou reconversão. Eu há dias chamei atenção a alguém na faculdade, que estava a trabalhar num projecto de requalificação, quando na realidade tem que ser um projecto de reconversão, porque existem lugares onde não se pode fazer projectos de requalificação;
Talvez falta-nos alguma legislação que ajudaria a definir balizas, por exemplo o regeu e a lotu contemplam algumas definições, não temos os conceitos devidamente definidossobre requalificação, reconversão ou renovação urbana. Qual é o seu parecer sobre a questão?
Basicamente, quando falamos em projecto de urbanismo, urbanização, nós no fundo consideramos um espaço "limpo", aqui em Luanda, questiona-se: onde vamos projectar um espaço "limpo"? Existem zonas que eu não chamo musseque, em que podemos eliminar toda ela, porque não tem nada de arquitectura. Há zonas com muita confusão onde existe arquitectura para estudar e aproveitar, mas outras áreas não há arquitectura então a solução é projecção urbana, Urbanismo ou projecto de urbanização, considerando aquela zona como não existente…
Demolir tudo e fazer novo? Quer dar um exemplo de uma zona que talvez pudesse ser alvo de um processo como este?
O exemplo é mesmo o próprio Sambizanga…
Mas se tiver que demolir e construir tudo de novo que nome se dá a este processo?
Chamamos a isso, projecto de urbanização;
E quando é que estamos perante uma requalificação urbana?
A requalificação obriga que você tenha uma taxa de demolição. Por exemplo em muitos Países conservadores só é permitida a demolição até 20%, nós no curso de arquitectura demos aos alunos a possibilidade de demolir até 30%, isto quer dizer que o aluno vai aproveitar talvez alguns equipamentos sociais existentes e as estradas. O termo "reconversão" vem de "converter" o que significa converter uma zona para outra. Por exemplo uma zona habitacional é convertida para uma zona com outra função, mas a expressão "reconversão" não é do urbanismo puro, porque na verdade é uma expressão que deriva da requalificação. As pessoas aplicam muito isso quando o projecto de urbanização vai beneficiar 100% as pessoas que vivem na zona, quer dizer, eu vou alterar a organização do espaço destas pessoas, se eles estão na horizontal e vou coloca-los na vertical, e vou dar funções diferentes nestes espaços, por isso é que chamam reconversão que em urbanismo puro não existe. Nós devíamos chamar projecção urbana, mas esta medida seria muito dura porque iria afectar a população uma vez que vai-se "limpar tudo" então para diminuir este impacto as pessoas usam a expressão "reconversão". Mas a reconversão tem graves problemas no sentido de que, se você vai fazer um arranjo do espaço é melhor ter cuidado em seguir novamente o traçado de ruas existente, porque o que acontece nestas reconversões é que pensa-se que os traçados não devem ser alterados. Ora nós em Luanda temos muitas ruas nas transversais e temos poucas nas perpendiculares, o que acontece é que se alargamos muito uma perpendicular, mas como ela é muito interceptada aumenta o congestionamento, e esta reconversão devia criar ruas que dividem distritos, que não permitem grandes cortes/interligações. As ruas que vão permitir interligações devem ser nos micro-distritos e as ruas de zona (um exemplo é o Cazenga) desta forma nós só estaremos adiando o problema do trânsito;
Fale-nos um pouco do zango que é objecto de opiniões diversas. Há quem olhe para o zango como um bom exemplo de projecto urbano mas também há quem considere um mau exemplo. Sei que esteve por detrás de todo este processo, comtudo de bom e mau do projecto. Qual é a sua justiça sobre o assunto?
Eu tenho dito ao pessoal que é necessário fazer a história do Zango. Em 1999 houve grande chuva que provocou a derrocada das barrocas da Boa Vista, o Sr. Presidente da Republica, na altura, decidiu retirar parte da população e colocar no Zango, e muitas vezes os governantes colocam-nos em desafios, eu e o falecido arquitecto Barros Miguel, tínhamos que fazer uma malha que iria receber naquela primeira fase 4.200 famílias, nós projectamos o Zango 1 para isso. Qual era a condição? As famílias viviam em 3, 6 até 10m2 de espaço na barroca, nos foi proposto projectar habitações com 40 metros quadrados o que daria apenas 2 quartos e eles (os populares) não aceitaram, então passamos a 61 metros quadrados com um valor de 6.000 USD, portanto a condição da casa estava muito associada ao valor disponibilizado. O Zango era uma boa solução habitacional para quem estava a sair daquela barroca, onde projectamos que cadacasa tinha a sua infra-estrutura, equipamentos para servir, depois também tínhamos os raios de acção urbanístico, com escolas, em300 a 500 metros de raio, com postos e centros de saúde. Será que se devia replicar o Zango? Eu aí já digo que não, porque depois replicamos até ao Zango 4 porque o Estado já não quis ouvir a opinião dos técnicos. Ora, se em 1999 aquela solução servia, para 4.200 famílias hoje em 2014 já não serve, o Zango hoje está a chegar próximo do novo aeroporto, já estamos quase no Zango 5/6 e já não deve ser assim, é verdade que no Zango 3 e 4 melhoramos bastante a casa, porque aí o governo nos abriu a possibilidade de não ser mais o custo de 6 mil dólares mas sim 16 mil, então já colocamos tecto falso e outros acabamentos. Aquela habitação até agora é uma casa social, e dentre as casas sociais continua a ser a mais barata.
Hoje está ser pensada a casa de baixa renda (veja a expressão), com 100 metros quadrados e eu não estou de acordo, aliás ela até já foge a legislação que o próprio Governo estabeleceu, que contempla áreas mínimas para habitações, isto já não é habitação social, só que o Governo esqueceu que em termos de infra-estrutura vai gastar duas vezes mais do que se mantivesse aquela casa social. Nós devemos pensar a arquitectura como o homem, nós existimos e amanhã deixamos de existir, a organização da casa também passa com o tempo, daqui a mais 20 anos provavelmente aquele quarteirão que alberga 20 casas no Zango talvez eu coloque uma torre, vãos manter as ruas e os equipamentos, devemos pensar assim;
Ainda falando de urbanismo está em voga a questão das centralidades urbanas e o seu conceito. Como vê isto, no nosso contexto?
É uma saída, hoje o desenvolvimento obriga a concentração da população, os últimos problemas que temos tido nas centralidades é que elas são bem projectadas, mas são servidas com escassos equipamentos sociais, o Governo precisa estudar um elemento que em arquitectura se chama "fluxo de transportes", precisa saber: de onde vem grande parte da minha população? Então projectar estradas para servir estas zonas, porque não é possível, pessoas que vivem nestas zonas usarem as mesmas estradas, as pessoas descontam os seus problemas no projecto, o cidadão passa a dizer que o projecto não presta quando na verdade o que não serve é o acesso;
Para Luanda, que hoje considera-se uma metrópole com mais de 6 milhões de habitantes, que solução acha que se podiam desenhar? Hoje fala-se em BRT, IRT até metrô subterrâneo ou de superfície, que sistema de transportes público propunha para atenuar o caos que se vive no trânsito na capital do país?
O poder económico que a população de Luanda passou a obter nos últimos anos, indica que o sistema de transporte não responde as necessidades, e como consequência cada pessoa passa a usar o seu transporte pessoal, é verdade que também é uma fase, outros Países passaram por isso, mas nós precisamos encontrar soluções. Falou do BRT, se este sistema fosse uma linha de transportes em estradas novas podia ser uma solução…
Mas como fazer estradas novas se não temos espaço?
Há soluções, não temos que pensar apenas na horizontal, porquê que não colocamos as vias de transportes no ar ou subterrâneas? Temos que pensar nestas soluções porque ampliar a rua não resolve. O problema não está na estrada principal mas sim na via que vai dar a estrada principal. Depois quando todo mundo tenta ir à estrada principal como é única ela fica congestionada;
Ainda sobre a questão do planeamento territorial e urbano, coloca-se a questão dos planos directores, hoje há quem entenda que a sua filosofia e pressupostos não funcionam para a nossa realidade. Quando fala em definir linhas estruturantes apenas, está a propor uma inversão na forma de elaboração dos planos?
Nós temos que pensar contrário agora, o grande problema é que já temos uma cidade muito consolidada, o que tenho dito aos arquitectos e urbanistas é que os países mais populosos do mundo não têm as suas capitais com a percentagem que tem Luanda, que são mais de 30%. Para as Nações Unidas o máximo são 10%, então precisamos compreender o que faz sair esta população da comuna constantemente. Talvez seja o trabalho, então precisamos identificar qual é o trabalho, se fizermos isso provavelmente o cidadão não precisará sair da comuna. Precisamos saber qual é o melhor eixo entre a comuna e Município e ai a comuna vai determinar. Em relação ao município, de igual modo precisamos saber qual é a melhor ligação entre o Município e a Província, então os Municípios vão determinar.
Então isto vai implicar a revisão da lei de ordenamento do território, não acha?
Naturalmente, nós precisamos organizar de outra maneira a estrutura e não ficarmos apaixonados pelas estruturas que já existem, os que estão lá em cima muito deles não vivem esta realidade, então seria bom que nós indicássemos a realidade, porque é estranho, eu tenho mostrado um mau exemplo aos meus alunos: sabe que não existe em urbanismo um largo das escolas? Mas é estranho aqui no Largo das escolas está todo mundo a programar mais escolas concentradas, isto não existe em urbanismo e ninguém chama atenção. Cada escola deve ter um raio de acção, e esta situação do largo das escolas faz com que o professor de Viana ou Cacuaco, tenha de dar aulas no mesmo local concentrado na cidade, a coisa está de tal forma concentrada, que é um erro que provoca algo que se chama desurbanização administrativa;
Isto também tem a ver com a questão do ensino. Acha que já se justificam escolas exclusivamente de urbanismo em angola?
Devíamos ter escolas de arquitectura e tambem de arquitectura e urbanismo em Angola, mas infelizmente não temos professores para isso. Há algum tempo atrás era ideia do Departamento de Arquitectura, até agora é, em passar para faculdade de arquitectura, mas eu levanto sempre a questão: quem são os arquitectos para dar aulas nesta faculdade? Se o curso de arquitectura, não conseguimos terminar em cinco anos como é que vamos pensar numa faculdade de arquitectura? Vamos ser honestos, precisamos de mais quadros; Na verdade, não é que não os tenhamos, mas eles não estão talhados para entrar numa faculdade de arquitectura, onde como governante politico, ele ganha 5 vezes mais, e vem para as escolas para ganhar quase nada, tenho colegas que ganham 80 mil Kwanzas;
Agora falemos um pouco de si. Como professor é conhecido como alguém muito duro, quer comentar isso?
Tenho dito aos meus alunos que penso bastante neles, mas eu não sou muito apaixonado pelo aluno, prefiro que o meu aluno compreenda que preciso inculca-los valores, que entenda que o professor está aí para lhe transmitir conhecimentos/ técnicas de projecção do que o professor ter muita relação com o aluno, de facto acontece que todo meu aluno diz que sou muito exigente, mas depois todos eles são meus amigos porque eles dizem sempre que eu transmito aquilo que é arquitectura. É verdade que sou muito exigente porque também estudei com professores exigentes;
Porquê que é mais conhecido como engenheiro?
Primeiro porque licenciei-me em arquitectura na faculdade de engenharia da UAN e depois estudei noutra faculdade de engenharia no Chile, então as pessoas conhecem-me como engenheiro porque faço cálculo de estruturas e dirijo obras. Portanto depois da licenciatura não fiz pós-graduações em arquitectura mas em outras áreas como demografia, urbanismo e engenharia estatística. Eu faço cálculos de estruturas não com o que aprendi no Chile mas na Faculdade de Engenharia(UAN), que antigamente apesar do número reduzido de docentes, tive um professor muito bom chamado Molares de Abril que ensinou-me a calcular, que é uma coisa com a qual me apaixonei;
Como especialista em demografia, como avalia o censo realizado este ano em Angola?
Muito bom, Angola está de parabéns pois pela primeira vez realizou um bom censo populacional. Lembro-me quando fiz a minha tese para ser demógrafo precisava do censo de 1970, comparando os dados deste censo com o actual, só vendo questionário do censo realizado este ano, verifica-se que estamos muito avançados. É como tudo, muita gente pensou que os resultados do censo seriam divulgados todos em pouco tempo, mas não, agora tem que se trabalhar, gerar tabelas organizadas e leva alguns meses; Com este instrumento, se for bem usado, podemos organizar melhor a população, organizar as estradas. Por exemplo, o tamanho da população é que determina o tamanho da estrada, do passeio e do jardim…., não existe um rei no urbanismo que não seja a pessoa, o urbanismo usa a pessoa como elemento para o fim, mesmo que ela ainda não exista.
Uma das questões que se coloca é que o Arqº. Pedro neto não aparece em fóruns e outras actividades ligadas à arquitectura e urbanismo incluindo a ordem. Pela experiencia que tem era de esperar que partilhasse conhecimentos com outros, numa sociedade cada vez mais em rede. Que comentário se oferece a fazer sobre o assunto?
Isto é verdade, eu nunca estive muito ligado à Ordem dos Arquitectos, só me inscrevi há dois anos, e porque o Arqº. Hélder José incentivou-me e apelou o cumprimento da Lei; Tudo isso porque a imagem que eu tenho é de que por sermos muito poucos arquitectos, nós não somos muito bem organizados, é a imagem que tenho, eu posso estar enganado. Outra razão é que estou muito ligada ao meu atelier, com coisas práticas e vejo que quando se sentam arquitectos continuam a defender muita teoria, muito apaixonados pelo antigo, vejo muita gente a dizer "olha estão a partir aquilo" e eu me pergunto, onde está a cidade de Babilónia ou Tiro? Já não existem. As cidades têm vida própria, vão deixar de existir, algumas pessoas que aqui têm nome de arquitecto acham que todos os edifícios devem continuar a existir, mas não é correcto, veja o que estão a fazer na Marginal de Luanda….
Acha o projecto da baía de Luanda bonito?
Bastante, as cidades são assim, elas crescem. Uma vez alguém decidiu definir gabaritos: nesta zona altura é esta noutra é aquela. Isto não existe. As alturas diferentes é que fazem com que as cidades se tornem dinâmicas…..
Mas há quem questione as peles em vidro exposto nos edifícios, que tem a ver com a questão do conforto ambiental. O que acha disso?
Mas hoje existem outras tecnologias para as pessoas estejam à vontade no interior destes edifícios. É verdade que o vidro aumenta o calor no interior mas você hoje tem o ar condicionado e outras técnicas…
Não é contra isso?
Não, nós precisamos compreender que não estamos sozinhos no mundo, um mundo moderno é isso, você vai à cidade de Nova York, em Beijing ou outra cidade e encontra isso, o quê que nós queremos defender? Nós precisamos compreender que não podemos ficar atrás senão um dia de tanto defender a nossa arquitectura os próprios edifícios vão cair em cima de nós;
Fale-nos das obras de sua autoria, projectos em que trabalhou e que estão construídas e sente que valeram a pena;
Uma das obras é o ULENGO CENTER que é um Shopping e Parque de diversões 130 hectares, 190 lojas, com 5 cinemas, sala de jogos, sala de exposição, brinquedos, três praças de alimentação. Gosto tanto de um projecto que foi um dos meus primeiros projectos grandes - a fábrica de tintas Neuce, a Fabimetal (uma industria de transformação), o maior no Polo Industrial foi o Centro Comercial e industrial "Viana Park", projectei um instituto médio no Zango, esquadras policiais, postos de saude, centros comerciais ....No Talatona tenho um Centro Comercial e depois tenho muitos projectos particulares de casas; trabalhei durante 2 anos num projecto que me deu o maior pagamento que já recebi em arquitectura, sim, cerca de um milhão de dólares – O parque III da Barloworld , uma fabrica de montagem de tractores, geradores e outros de uma empresa Sul Africana, o interessante é que falo a lingua francesa e nao a inglesa mas tive que ir varias vezes a sede deles na cidade de cabo e em Joanesburg discutir com eles .... oh meu amigo... isso é só de arquitectos. Actualmente estou a colaborar com vários arquitectos nacionais e estrangeiros.... estou a fazer maquetes. Este é um sonho de criança e estou a executar uma maquete das estradas de Luanda... claro somente as principais, mas com relevo para mostrar como podemos contribuir na resoluçao do trânsito em Luanda.
Viana Park, um projecto implementado na estrada de Calumbo-Viana
Mas o grande projecto é o Ulengo, pois não?
Acredito que sim, pelo valor. Agora apaixonei-me por brinquedos, estou a projectar o parque aquático, onde terei um mar artificial, um rio em volta e uma lagoa, eu sou daqueles arquitectos que sonha bastante, depois acordo e faço um traçado, mas penso sempre como vou mostrar a cara dele, para mim é muito importante a cara, quero que o pessoal identifique e diga que aquele é o projecto do meu professor, de um angolano. Depois temos projectos de urbanismo, o Zango, Sapú e Morar, os arranjos urbanísticos em várias zonas como o Kassama Residence, onde vamos implementar um grande projecto que é o atelier de arquitectura, achamos que já é momento de começar a divulgar melhor as nossas obras, especialmente numa área que eu amo bastante: maquete. Entreguei há pouco tempo ao Sr. Governador uma maquete do Banco Nacional de Angola, a minha ideia é fazer em miniatura todos os edifícios grandes que o BNA tem em diversas Províncias para mante-los, tenho a ideia de fazer a maquete do edifício do Palácio de ferro, o museu das forças armadas, acho que isso alimenta a arquitectura;
ULENGO CENTER, parque de diversões e shopping Center, projectado pelo entrevistado
Olhando para toda esta trajectória no ensino, materialização de projectos em arquitectura e urbanismo, sente-se realizado?
Sinto, hoje estou a treinar alguns arquitectos e engenheiros com quem trabalho, e uma das coisas que nunca faço é esconder alguma coisa deles, zango-me com eles quando fazem um projecto errado, infelizmente eles acham que continuo a pensar que são meus alunos, mas é bonito quando você vê que aquele a quem ensinamos está a corresponder, felizmente eu sinto que já alguma coisa fizemos;
segunda-feira, 2 de março de 2015
2ª PARTE DA CONVERSA COM ÂNGELA MINGAS
" Luanda é uma não cidade em colapso ambiental"
"É de uma arrogância tremenda os arquitectos pensarem que eles são os autores da cidade"
Ângela Mingas numa palestra na Maka à quarta-feira(Fonte: acrimar.co.ao)
"A forma para mim não deve ser um mero exercício estético"