quinta-feira, 3 de agosto de 2017

CONVERSA COM O ARQº. HÉLDER JOSÉ (parte1)

"O ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO É CIÊNCIA”

    Arqº. Hélder José 

Nesta primeira parte da extensa conversa, bastante descontraída que mantivemos  com o Dr. Hélder José, debruçamo-nos sobre a sua experiência profissional no Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda(IPGUL), daquilo que considera as “quatro dimensões” da Arquitectura para a nossa realidade e por fim revelações sobre os vários “caminhos” percorridos para  a elaboração do Plano Geral Metropolitano de Luanda, desde a sua gêneses.

Dada a pertinência da matéria, sua extensão e para não cansar os nossos leitores, apresentamos a entrevista em partes e por tópicos, o que esperamos venha ajudar a compressão da profundidade dos assuntos abordados.

Por: C. Martinho

 EXPERIÊNCIAS NO LABORATÓRIO IPGUL
A figura de Hélder José está muito associada ao IPGUL, onde esteve durante vários anos, que é uma Instituição que marca Luanda pelos estudos e instrumentos de Ordenamento do Território sobre Luanda, em que esteve envolvido. Agora que já não dirige este Instituto o que lhe ocorre à mente em relação a sua passagem por esta estrutura do Governo Provincial de Luanda?

Primeiro, considero que foi uma experiência positiva. Estar no IPGUL ajudou-me a tornar realidade um desejo transmitido pelo meu tutor do doutoramento, o Sr. Salvatore Dierna já nos finais do curso de doutoramento, em que ele dizia e cito: “quando terminarem e onde vocês forem, lembrem-se que são agentes do conhecimento e da formação, então vão e ensinem!”. Eu tentei fazer isto no IPGUL, já que era difícil realizar um exercício do género na Universidade, uma vez que infelizmente o nosso sistema académico tem algumas insuficiências. As condições que tive me permitiram ver a possibilidade de usar o Instituto como um laboratório ou seja, um bom veículo de conhecimentos ligados à questão do Ordenamento do Território. Um dos primeiros exercícios que realizei foi algo que sempre sonhei; - o de criar um Gabinete que pudesse lidar com variáveis do Território, o que requereria ferramentas capazes de poder manusear e utilizar tais variáveis. 
Pelo facto de ter apreendido durante a minha formação académica, no doutoramento, que o uso de tecnologias de informação ajudava muito a tornar possível esta visão, então passei para a fase da sua constituição, através da criação do Gabinete de Informação Territorial. Lembro-me que parte do meu trabalho de doutoramento visava a criação de um sistema informático que pudesse ser um apoio à selecção de tecnologias apropriadas à utilização, com sustentabilidade da Tecnologia da Madeira integrando as espécies mais acertadas no domínio da construção sem que a fonte, as florestas, sofressem impactes ambientais descontroláveis, sendo que a metodologia idealizada poder-se-ia, assim, aplicar em países com dificuldades tecnológicas, fundamentalmente nos Países Africanos que sendo produtores deste recurso, para o consumo acabam recorrendo à importação do produto acabado. Por isso, depois, desta reflexão, acabei criando um Gabinete de Informação Territorial usando as ferramentas do Sistema de Informação Geográfica (SIG). Isto foi para mim o expoente maior do que realizei no Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda (IPGUL). Pois, não faz sentido a quem lide com o território não conheça e não utilize o Sistema de Informação Geográfica (SIG) para gerir o território. Por isso reputo de grande importância a utilização desta ferramenta tecnológica. 

Então entende que o SIG é fundamental a gestão territorial?

É fundamental com todas as derivações e o potencial que o Sistema de Informação Territorial (SIG) permite. Este foi para mim o corolário de eu consegui colocar, por via do conhecimento académico apreendido, numa instituição pública que passaria a empregar o uso desta tecnologia para o bem colectivo das comunidades. O outro exercício foi a tentativa de fazer com que os fazedores do Ordenamento do Território pudessem constituir regras que lhes permitissem trabalhar o dia-à-dia de forma estruturada, porque não dá mais para trabalhar na base do empirismo. Deste modo, lembro-me de ter produzido o manual que contem um Regulamento de Análise de Projectos para Licenciamento e ainda a Revista IPGUL. Quanto a Revista eu exigi que a mesma não fosse do Arq. Hélder, ou seja com culto de personalidade, mas nossa (do Instituto), por isso ela teria que ser impessoal. Nessa altura eu já dizia que o - próximo Director que me substituir, pelo facto da Revista ser impessoal poderá oferecer a quem o procurasse tal Revista, exactamente, pela razão que expliquei anteriormente. Claro que para mim isso seria um grande conforto, que muito embora a Revista tivesse sido feita e idealizada por mim, mas estaria a contribuir para a passagem de um conjunto de informações muito importantes para quem a lesse. 

A última edição que falava sobre “cidades inteligentes” com textos do Arq. Miguel Amado e outros profissionais conceituados, não aparece nenhum artigo assinado pelo Arq. Hélder José... 

Eu fiz de propósito, e disse, na próxima edição “vamos tocar na temática de cidades sustentáveis.” Se reparar os primeiros a fazer esta abordagem em Angola fomos nós no IPGUL, mais tarde outros começaram a falar sobre o mesmo  tema. Aliás, em relação ao Sistema de Informação Geográfica (SIG) o cenário foi igual, ou seja, foi o IPGUL que impulsionou o seu uso efectivo, tanto que os jovens que consegui mobilizar da Faculdade de Ciências e que executaram o mecanismo me segredavam  nunca pensarem que teriam tanta utilidade como passaram a ter, após terem desenvolvido na prática os seus conhecimentos científicos, assim, eu passei a ser mais conhecido na Faculdade de Ciências no Departamento de Engenharia Geográfica que no próprio Departamento de Arquitectura da Faculdade de Engenharia. Tanto que das vezes que fosse à Faculdade de Ciências muitos jovens me abordavam porque queriam que os admitisse no Quadro Técnico do IPGUL como técnicos do Gabinete do SIG.
    Última edição da revista IPGUL

AS QUATRO DIMENSÕES DA ARQUITECTURA 

Isto também é um pouco apelo à necessidade do arquitecto alargar  os seus horizontes, pois não?

Sim, o arquitecto tem mesmo que ter esta visão, principalmente nós aqui em Angola, precisamos de facto ter uma visão muito ampla dos problemas sobre a organização do território e não restringir única e exclusivamente à arquitectura. À propósito deste argumento que me colocas veio-me em mente o debate  em que participei muito recentemente e que o denominaram “O café do arquitecto” organizado pelo Kahina Ferreira. Na verdade a essência do debate era o de colocar gerações diferentes de arquitectos a interagirem na transmissão de conhecimentos e experiências sobre a temática da arquitectura, por isso foi colocado no painel de debate duas gerações; a minha e a geração mais nova com essa finalidade. Uma das coisas que eu dizia ao pessoal presente era o seguinte: “ Nós temos que ter a capacidade de observar a arquitectura em quatro dimensões:  A primeira é a Dimensão Humana, porque a arquitectura é feita de pessoas para as pessoas;” A meu ver colocar, a arquitectura na sua essência física sem perceber que ela é para as pessoas acaba sendo um exercício inglório; a arquitectura tem que ser vista sempre na sua perspectiva humana, porque no final são as pessoas que vão habitar este espaço físico.
A segunda é a Dimensão Ambiental, porque é preciso compreender em que contexto ambiental a estrutura física que irá albergar a vivência humana seja constituído como um local agradável e confortável respeitando o ambiente, uma vez que o objectivo último da arquitectura é fazer com que a pessoa que habite um determinado espaço se sinta bem. 
A terceira era a Dimensão Económica, porque nós temos aquela de que “a arquitectura tem que custar caro. ” Não! A arquitectura pode custar caro, mas, nunca nos esqueçamos que a grande maioria da população não tem recursos para suportar custos elevados de uma arquitectura dispendiosa, no entanto o arquitecto deve ser um excelente agente social; por isso aqui enquadro o quarto aspecto, ou seja, a quarta Dimensão, que é a dimensão social da arquitectura. Se nós não percebermos a arquitectura nestas quatro dimensões cometemos erros muito graves. 

Mas estas quatro dimensões que menciona confundem-se com os pilares da sustentabilidade, não?

Bem, isto é já da minha “lavra” (risos). Uma pessoa lê tanto que depois tem que fazer interpretações sobre aquilo que lê.
Temos que perceber que, na nossa realidade, estas quatro dimensões são aquelas que entendo que devem ser encaradas com muita profundidade e objectividade. Por outro lado, nós os arquitectos angolanos queremos trabalhar de forma muito individual, ao invés de pensar em parcerias estratégicas que nos conduziriam a um pensamento com perspectiva colectiva. Deste modo, acabamos esbarrando nas dificuldades de um mundo cada vez mais competitivo onde as coisas são feitas sempre de forma mais integrada e colectiva, por isso depois reclamamos muito à falta de espaço! Mas espaço se conquista com luta, mas muita luta mesmo, claro! Luta no bom sentido, não pancadaria (risos). Daí agradecer este vosso gesto de criar este espaço virtual de interacção e partilha de informação. 

Mas voltando novamente na Dimensão Social da arquitectura tem vezes que achamos e pensamos que só as coisas grandes e monumentais são capazes de transmitir arquitectura e que por isso têm que ser muito caras, mas, existem tantas e tantas pequenas coisas feitas que são tão belas! O que quero transmitir é que temos um manancial de riqueza de coisas pequenas à nossa volta, quer na nossa realidade angolana como na africana que se devidamente estudadas e exploradas na sua essência arquitetônica seriam capazes de produzir grande arquitectura, isso ocorreu-me agora, porque lembro-me de um livro que li de um economista Alemão intitulado “The small is beautiful” (o pequeno é bonito) onde faz ele uma incursão profunda a estes aspectos que foquei agora; Isso sim! É que é falar de sustentabilidade. Nós temos coisas tão pequenas que se fizéssemos bem conseguiríamos extrair a beleza que estas encerram o que faria as pessoas olharem e dizer: “uhau!” Afinal podemos!

BASTIDORES E CONTORNOS  DO PDGML 

Mas quando falávamos do que lhe marcou no IPGUL para além do que mencionou, há a questão da produção de instrumentos de ordenamento do território, incluídos planos. A história de Luanda, desde a época colonial até aos nossos dias, está cheia de instrumentos elaborados, uns executados sem aprovação, outros aprovados sem serem implementados. Qual é a apreciação que faz sobre o assunto?

Eu participei praticamente na gênesis do último instrumento que é o Plano Director Geral Metropolitano de Luanda - PDGML. E o mais estranho é que a maior parte de nós, sozinho, quer ser a solução definitiva dos problemas graves do ordenamento do território de Luanda, se eventualmente não tiveram envolvimento directo então desconsideram o trabalho realizado. O que digo se confirma porque um destes dias sou abordado por alguém que sabia do meu grande envolvimento nos trabalhos dos PDGML só para me segredar que: “mas, Hélder, aquilo está mal feito!”, como sempre, o pessoal do “bota-abaixo” diz sempre que “está mal feito”, isto porque, todos nós queremos ser partícipes, no entanto e acrescento, na verdade, acabamos sendo, directa ou indirectamente, participes na execução de instrumentos desta natureza. Ou seja, dito doutra maneira, achas possível convidar todos habitantes do País e discutir o Plano para Luanda e obter concordância? Isto é impossível! Seria um perfeito exercício de demagogia, não se faz comício utilizando o Ordenamento do Território como lema e ou ferramenta de trabalho. Pois o resultado seria nulo. Como digo e reafirmo - O Ordenamento do Território é ciência (embora muitos pensam que não seja), sendo ciência precisa de especialistas para montarem as ferramentas e produzirem a arquitectura instrumental que seja capaz de ser intendida por todos que vivenciam o território. Portanto, se não tivermos esta visão corremos sempre o risco de continuarmos a fazer as coisas como a manta de retalhos que temos feito para às varias cidades do país nos últimos tempos...
    Excerto da planta do uso de solos do PDGML

As várias “Luandas” como dizia um arquitecto......

Não estou a falar de Luanda, estou a falar do País. Então, lembro-me, que quando começamos o PDGML... mas retornando um pouco para trás, em 2001 quando entrei para o Governo Provincial de Luanda, tinha sido convidado a trabalhar em alguns encontros do Grupo Técnico de Reflexão (GTR) cujo propósito da sua constituição era o de encontrar às soluções definitivas e duradouras para o Ordenamento do Território em Luanda. O GTR era então, dirigido pelo Engº. Diekumpuna Sita José. Para além de um complexo trabalho sobre as dinâmicas inerentes às transformações territoriais recomendadas, este Grupo Técnico, acabou por ser o responsável pela produção da legislação sobre o Ordenamento do Território que veio a vigorar mais tarde, assim como, da Lei de Terras. No fundo, aconteceu em minha opinião, que o objectivo político que lhe foi transmitido sofreu um certo desvio, portanto, não tendo chegado a um verdadeiro instrumento com peças que pudessem ser utilizadas para corrigir as tendências pesadas que estava a sofrer o território de Luanda, este Grupo Técnico acabou por produzir legislação sobre o ordenamento do território que entretanto, valeu a pena à sua realização, contudo, aquilo que tinha sido a orientação “política” que lhes tinha sido baixada que era fazer um instrumento de ordenamento para Luanda acabou não tendo sido o suficientemente convincente ao que a função deste Grupo dissolveu-se mais tarde. Depois foi criada uma Comissão de Desenvolvimento Urbano, no início novamente dirigida pelo Eng.º  Diekumpuna Sita José que acabou estabelecendo o mesmo sentido metodológico estabelecido no Grupo Técnico de Reflexão, acabou não acontecendo nada, assim é substituído o Eng.º Diekumpuna Sita José pelo então Ministro da Administração do Território o Sr. Virgílio de Fontes Pereira. Entretanto, esta substituição não produziu os resultados políticos esperados tendo sido a Comissão extinta. O problema é que as pessoas à quem tinham sido dada a incumbência pensavam que elas é que tinham que elaborar o Plano, mas o Plano Director, sejamos modestos, pela complexidade dos problemas de ordenamento do território que vivemos não teríamos e nem temos capacidade de o fazer. Não vale a pena nos armarmos em “chico espertos”. 

Eis que surge um dispositivo presidencial que orienta que era necessário fazer o “Masterplan de Luanda,” por via de uma Comissão específica liderada pela então Governadora Francisca do Espírito Santo. Nesta altura eu já estava na direcção do Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda (IPGUL). Das consultas por ela feita ao órgão técnico de qual seria a melhor estratégia aventou-se a possibilidade de ser responsabilidade do IPGUL à sua elaboração, com sinceridade e devido a complexidade em realizar um instrumento tão complexo e difícil eu disse à então Governadora de Luanda em nome do IPGUL: “Mas, eu não sei fazer Plano Director!”, nem sequer havia capacidade e tecnologia instalada na estrutura que permitisse produzir um trabalho com a seriedade que se pedia. A Governadora perguntou-me se não tinha ido estudar Ordenamento do Território ao que respondi: “Sim, muito embora tenha ido estudar ordenamento do território, mas daí a fazer o Plano Director para Luanda a distância era longuíssima”, já que elaborar um Plano Director requereria uma capacidade e tecnologia tão elevadas, principalmente ao se pretender fazer um instrumento que resultasse num Plano que deveria resolver os problemas do ordenamento do território de Luanda. Então, e pela experiência das Comissões anteriores nomeadamente Grupo Técnico de Reflexão (GTR) e Comissão de Desenvolvimento Urbano que não tinham conseguido realizar o desiderato político, pressupus que os erros destes não deviam voltar a  acontecer com a Comissão que tinha sido incumbida de fazer o “Masterplan” tendo sugerido à Sra. Governadora que deveríamos percorrer uma outra estratégia e que passaria em primeiro lugar pela elaboração de Termos de Referência que congregassem na sua essência os principais problemas a resolver no território e sugerir a visão de futuro para Luanda, recorrendo já nesta fase à especialistas internacionais para o efeito, tendo ela concordado na estratégia, passamos à acção. Desta maneira, o IPGUL participou desde o primeiro ao último dia em todo o processo que viria a se concretizar neste Plano que ficou aprovado oficialmente em 2015. 

O outro exercício que sugeri foi que este processo fosse feito de forma célere, para conseguir contornar os do “bota-abaixo”, como sabes estão sempre atentos para complicar, e não para ajudar, assim, orientamos aos consultores responsabilizados pela preparação dos Termos de Referência que trabalhassem com alguma rapidez. Graças à Deus conseguimos encontrar uma empresa que, de facto, tinha um conjunto de especialistas que compreendia a visão que transmiti, e fizemos os Termos de Referência que (modéstia à parte) estavam bem-feitos. Obviamente, nada é feito na perfeição mas o fundamental estava aí; - Os Termos de Referência estavam prontos para os passos seguintes. Depois sugerimos que estes fossem levados à aprovação pelo Presidente da República, no sentido de lhe dar a eficácia jurídica. 

É engraçado que na abordagem que fizemos na altura, na Comissão Permanente do Conselho de Ministros, o tema Luanda de tão profundo acabou terminando numa discussão que abarcou o nível Nacional. Aliás, nós o grupo técnico, fizemos de propósito que as discussões tivessem este nível de abrangência, porque pensar o território de Luanda sem o resto do país não funciona, os problemas de Luanda não se esgotam em Luanda, na verdade, muitas das soluções do ordenamento da Capital estão fora de Luanda. Então era preciso pensar o território Angola numa perspectiva de constituir a estratégia territorial que passasse por montar uma verdadeira Rede Urbana Nacional com uma escala territorial bem clara que permitisse definir o que é de primeiro, segundo e terceiro nível, nesta escala territorial, obviamente. A outra visão que levou foi a integração de Angola na região africana onde se localiza, porque o País tem muitos aportes a dar à região e o território de Luanda em particular, fizemos finalmente uma ligação da abordagem na perspectiva internacional pelo, óbvio fenómeno da globalização. 

NÃO DEIXE DE ACOMPANHAR O PRÓXIMO TRECHO DA ENTREVISTA QUE O NOSSO INTERLOCUTOR CONTINUA A ABORDAR OS PROCESSOS RELACIONADOS COM A PRODUÇÃO DO PDGML 



















terça-feira, 4 de abril de 2017

ENTREVISTA COM O ARQº. TROUFA REAL

        
Fonte: Revista Vilas e Golfe-Angola Edition-2014

Estando prevista uma aula magna no dia 7 do corrente mês, que será proferida pelo conceituado Arqº.  Troufa Real, organizada pela Ordem dos Arquitectos de Angola, recorremos ao nosso arquivo para  recolher uma suculenta entrevista concedida ao magazine VILLAS E GOLFE que ajuda a ter uma ideia da dimensão e perfil do profissional que teremos a honra de ver e ouvir. 
Nesta entrevista o arquitecto Troufa Real revela-se um irreverente, ele próprio deixa claro: é um ser cerebral, organizado e sentimental. Com a devida vénia retomamos  extratos da grande entrevista para o consumo do nosso estimado público;
By: C. Martinho

O que significa para si ter nascido e crescido em Angola?
Um orgulho. Nasci aqui, no Hospital Maria Pia, a 18 de Março de 1941, e aqui passei a infância. Éramos três irmãos. O meu Pai era electricista na câmara e tinha de acender e apagar as luzes da cidade, era um elemento muito importante porque quando era preciso «apagar» uma casa ou uma zona para amores proibidos, e vinham ter com ele. A minha mãe era uma negra. Uma referência para mim, como todas as mães. Esta era, e é, uma terra de encantos onde existe o sonho e a ilusão da liberdade.

Esteve presente quando se fez o primeiro planeamento da cidade de Luanda. Como viveu este acontecimento?
Estudei arquitectura, mas queria ser pintor. Mas ser pintor nas famílias de classe média baixa, como é o meu caso, era desprestigiante. E depois não se ganhava a vida a pintar, então meteram-me em arquitectura. Antes passei pelas belas artes onde fui insurrecto e um indisciplinado, preso seis vezes, entre 1959 e 1961, tempos conturbados. Mas depois resignei-me. Antigamente os bolseiros ficavam obrigados a trabalhar na entidade que os patrocinava durante os anos em que tivessem a bolsa, para descontar. E eu entrei numa das melhores Universidades porque o meu pai era funcionário da Câmara, daí a minha bolsa ser desta instituição. Nesta altura, o Governador Santos e Castro ….. pôs-me no gabinete de urbanização de Luanda, onde se faziam planos muito controlados, e bem, no meu ponto de vista, porque para se fazer o plano director de uma cidade é preciso ter responsabilidade estratégica e ao mesmo tempo humana, que quase nos obriga a ter de conhecer as pessoas. Acabei por ser muito cedo o director do gabinete de urbanização, por isso estive a coordenar.

Como projectaria a futura Angola?
Com edifícios muito altos. No mínimo com 40 andares. Com uma construção a mais contemporânea possível, com novas tecnologias adaptadas ao clima. Sem problemas de estacionamento porque as pessoas andariam em transportes verticais como os elevadores. Eu sou defensor de que a capital de Angola tem de sair de Luanda. Para salvar Luanda histórica, para dar melhor qualidade de vida às pessoas e para fazer o desenvolvimento nacional no interior. A capital deveria, também apresentar uma situação geográfica e geoestratégica porque uma capital política tem que ter clima próprio, uma unidade e temperatura própria.
Luanda tem uma percentagem de humidade elevadíssima que obriga a ter aparelhos de ar condicionado, se se quiser ter máquinas fotográficas ou arquivos. Depois porque perto de 40 a 50 por cento da população de Angola vive em Luanda, o que é mau. Por isso desenhei a nova capital de Angola, chama-se Angólia. O Pepetela teve o mesmo sonho.

Diz ser um grande defensor da liberdade. O que é que ela representa para si?
Quando pensamos na liberdade, pensamos em guerra, em confusão, em meia dúzia de loucos, de gente marginal, que não sabe o que faz. Mas a liberdade é um dos actos mais inteligentes do homem. A liberdade é tão importante como a água para a nossa vida. Só é preso quem quer. Porque mesmo na prisão eu fui livre. Nunca me senti amordaçado.

Diz que Lisboa é o seu refúgio, porque?
Porque vivi nestas ruas. Porque foi aqui que encontrei a liberdade, ainda no tempo da ditadura. Porque nós somos sempre livres quando queremos. Aqui fui preso seis vezes e de cada vez que era preso ficava mais feliz.

Como define a sua arquitectura?
Eu não faço arquitectura. Não faço construção civil. Faço obras de arte. Por exemplo: o único monumento que existe em Lisboa, do Salgueiro Maia, foi desenhado por mim. Eu não faço arte para mim. Fazer um edifício para mim é respeitar as pessoas e os seus valores.

Considera-se um arquitecto moderno?
Considero-me contemporâneo, não moderno. Porque não gosto do movimento moderno. São pessoas que acham que o pensamento moderno é um pensamento racionalista. Gosto mais das surpresas. Gosto de diariamente saber para onde não vou. Gosto de descobrir. Gosto da aventura. Dai não me considerar moderno. Ter regras é uma castração. Por isso, considero-me um anti-moderno, com muito gosto racional. E contemporâneo, porque hoje a contemporaneidade tem uma grande diversidade, principalmente criada por nova geração que diz ser geração sem partido.

Como vê a relação entre os dois países: Portugal e Angola?
É óptima! Quem descer aqui ao Bairro Operário, ver a relação extraordinária que há entre o senhor David, proprietário do restaurante, e os angolanos que estão lá a conviver. Como encontra a mesma situação em Luanda. Uma coisa é a política, que nada mais é um mundo imaginário. Os políticos estão todos convencidos de que são eles que mandam no mundo. Não! São as pessoas.

Sente-se mais filho de Angola ou de Portugal?
Sou filho de uma negra de panos e de um homem branco humilde. Resultado: sou um luso-angolano com orgulho. Quando estou em Portugal sinto que sou um angolano mas que sou também português. Quando estou em Portugal defendo os angolanos. Quando estou em Angola defendo os portugueses.                                                     


domingo, 2 de abril de 2017

CONVERSA COM O ARQº. MAURÍCIO GANDUGLIA(Parte 1A)

Por: C. Martinho c/NG

Desta vez o nosso interlocutor é um arquitecto argentino que vive e trabalha em Angola há mais de 16 anos, docente da Universidade Lusíada de Angola,  disciplina   de Construções, conhecido pelo seu trabalho com comunidades em várias províncias de Angola e não só, numa abordagem diferente e profunda, relacionada com a arquitectura de terra e o uso  materiais locais.

Maurício Ganduglia é graduado pela Faculdade de Arquitectura e Urbanismo, Universidade Nacional de La Plata – Argentina. – 1997, Especialista (Post-Master) em Culturas Construtivas e Desenvolvimento Sustentável (2005-2007, Membro da Associação CRATerre - Centro de Pesquisa de Arquitectura de Terra, Grenoble-França, Autor da publicação “Arquitectura de Terra no Moxico”, Angola, 2012 e coordenou vários programas/actividades com diversas Organizações da sociedade civil, cujo foco passa pela arquitectura sustentável, educação comunitária, construção com materiais locais para a melhoria da qualidade de vida das populações em zonas rurais e urbanas.

Confira a reflexão de uma pessoa experiente que olha para arquitectura numa perspectiva complexa que vai “além das fronteiras do conceito, da geometria e da forma”;

A  primeira questão tem a ver justamente com a sua ligação à arquitectura. Como é que nasce essa paixão? 
Alguém já referiu que deveria existir o Ministério das Obras Pequenas, eu acho que o percurso constrói-se a partir de pequenos sinais, e a vida foi moldando aquilo que hoje eu sou. Vai ser um pouco extenso, mas posso vos contar alguns desses. Há duas vertentes na vida desde criança: desde a formação humanista e pedagógica no ensino primário e médio, até  as actividades extraescolares com os escuteiros salesianos, onde haviam actividades formativas (campismo, construções, etc) e sociais (campanhas e apoios aos mais desfavorecidos). Naquela altura já estávamos preocupados com a ecologia, mas simplesmente desde o respeito e o cuidado que se deve ter com a Natureza. No médio, de formação pedagógica, pensei em carreiras desde Medicina à Engenharia Nuclear, no amor pela física e as matemáticas, mas não querendo renegar das matemáticas inclinei para Engenharia Civil e finalmente, achei que na Arquitectura podia fazer esse trabalho social e melhorar a vida das pessoas: melhorando e construindo suas habitações. Na altura dos estudos universitários, os estilos que vigoravam eram o desconstrutivismo, a arquitectura contemporânea, o betão, o vidro, o ‘hightech’, e em todos os jovens, começava a ser uma coisa que “batia logo às vistas”, e transformavam-se no ideário, e em princípio isso não parecia estabelecer uma ligação directa com o tema social naquele contexto dos anos 90. 
Mas durante o percurso de formação um dos arquitectos que me chamou muito à atenção foi Livingston durante a visita a Universidade de la Plata(na Argentina) onde estudava. Ele é um argentino que toda a sua vida viveu em Cuba e faz um trabalho social, onde apresentou um método para personalizar e resolver as necessidades das famílias, quase nessa reflexão que hoje entendemos como interdisciplinar/ multidisciplinar. Em toda a vida profissional o dialogo com todos os actores da área da construção sempre foi importante, mas ao começo, era reduzido aos clientes. Olhando hoje, á distancia, acho que nesse contexto, começou por se definir uma profissão que refletia mais nos métodos do que nos resultados. Pois, foi quando vim fazer a experiência de voluntariado, no ano 2001, onde todas as formas mudaram de novo e radicalmente, e mesmo assim, continuava sendo eu. Todo o contexto que conhecemos muito bem levou a fazer essa ligação com todo o trabalho social que faço actualmente.
 
Ao verificar o seu blog, posso concluir que a arquitectura que pratica vai mais para a vertente social, pois não?
Sim, exactamente. Interessa-me a arquitectura como a expressão de sonhos, das soluções, das questões que podem ter um determinado grupo de pessoas ou indivíduos; por exemplo: uma família, uma congregação religiosa, uma comunidade rural, a cidade, portanto, tudo o que envolva pessoas.
 
E aqui noto também uma coisa que é muito interessante: o envolvimento da comunidade nos projectos. Quem executa os trabalhos muitas vezes são pessoas que fazem parte da comunidade que vão utilizar o edifício ou espaço.
Exatamente. Neste trabalho, também como agora está na moda usar materiais ecológicos e sustentáveis, pode ser muito bonito, mas se as pessoas não conhecem como funciona, como é o material, se não tivermos essa sensibilidade, o projecto será bonito para fotos e nas revistas, mas após o dia que começam a utilizar, nunca mais volta ser aquele. Então, a forma de envolver não é só porque todos fazem parte desde o primeiro momento, essa é uma das regras que tenho, que é de reflectir o projecto e vamos trabalhando com todos os grupos, se for na vida profissional é o cliente, mas também tem que se reunir com o empreiteiro, com os construtores, com todos os que fazem parte; porque temos que estar conscientes: a nossa obra ou o nosso trabalho é um dos mais complexos e estressantes porque todos os grupos sociais que estão numa cidade intervêm de uma maneira ou outra. Sob a nossa responsabilidade temos também, que cuidar da saúde, dos trabalhadores, as pessoas que vão viver, há que se trabalhar com os comerciantes porque vendem e fornecem os materiais, conversar com o cliente, que chegamos de conhecer absolutamente tudo o que eles fazem. Então com tudo isso é preciso fazer uma síntese. Uma obra arquitectónica, é algo maravilhoso e genial, tanto pela forma do objecto, quanto pelo processo para realiza-lo.
 
Quando é que as outras pessoas intervêm nesse processo que se requer participativo?
Em todo o momento, desde a fase  de pensar o que se vai fazer. A formação de arquitecto é tão vasta, que cada um tem uma tendência, alguém é mais técnico, outro mais social... Temos muitas. Então, cada um vai ter uma solução mais sustentável para determinado aspecto... Tento buscar uma forma que seja inovadora, que possa funcionar, onde a reflexão vá além da forma, além dos materiais e do estritamente técnico, logo, todos os que participam se sentem parte disso. Na experiência e no quotidiano ouvimos muitas vezes que os projectos sofrem imensas alterações antes de serem terminados. Sofrem muitas modificações, quer porque não há pormenores, ou porque não se interessam com as mudanças intermédias. Quando há que planificar uma formação dentro da obra e o processo de construção é o momento que percebemos todos “esses vícios” porque damos conta que isso não pode fazer parte da formação. E nesse sentido, é mais difícil trabalhar com os materiais naturais que temos disponíveis, porque tanto o projecto como a execução da obra, têm de ser resolvidos com antecedência. Como se começa tem que seguir, por que? Porque as alterações depois podem custar muito caro, não só em termos económicos, mas em termos técnicos (possíveis patologias), ou ambientais, humanos, antropológicos e sociais. Porque se fizermos uma mudança para melhorar somente o aspecto técnico, por exemplo, podemos alterar a reflexão integral, e o impacto poder ser  tão negativo a ponto de  ir para além  do previsto.

 Em 2011 aconteceu  o congresso da União Africana dos Arquitectos, e palestrou sobre arquitectura com materiais locais para o desenvolvimento sustentável de Angola. Acha que volvidos 5-6 anos crescemos de alguma forma em termos de uso de materiais que ajudem na sustentabilidade?
Não, não acredito. Mas o mundo segue outra lógica e embora o conceito é positivo, depender das políticas económicas de consumo, não ajuda em nada,  pois  pensar na sustentabilidade, significa parar, e pensar em nós; e poucos se dão o tempo para isso. Basta analisar a velocidade dos avanços, entre outros os tecnológicos, e o ritmo de vida que levamos.

Sustentabilidade é um chavão, um ‘slogan’ apenas?
Bem, depende de como é utilizado. Mas tentemos ver desde outro ângulo: sabemos que desde o mês de Agosto nós começamos a consumir coisas que o planeta já não tem capacidade de produzir, esgotamos toda produção de água e materiais; tudo o que o planeta pode gerar de maneira sustentável, sem ter um impacto negativo, termina em Agosto. Isso quer dizer que agora estamos a consumir a crédito. Um terço da nossa vida tem impacto negativo na vida do planeta. E quem está mentalizado disso? 
O mundo da construção gera quase 50% dos resíduos que se produzem no mundo. O projecto tem que ser sustentável em todo o seu processo (concepção, execução e usufruto)! Hoje é habitual, ver obras onde, em todo momento, entram e saem camiões com materiais que foram comprados, que alguém produziu e foram gastos materiais locais, seja qual for (telha cerâmica, azulejo, tijolo, etc) foi transportado de qualquer sitio, o cliente pagou esse processo todo, o pedreiro construiu; mas (sempre há  mais um na historia) alguém mandou partir, e há entulho para transportar ao vazadouro, há trabalhos de emendar e o ciclo começa de novo. O transporte de materiais só é medido em termos económicos, mas poucos pensam nisso em termos ambientais. Onde ficam as emissões de CO2 ou gás efeito inverdadeiro(poluição)? Nada faz sentido! Então eu digo, “Hoje, no caso dos materiais naturais e locais, pode ser que a obra não é de todo  económica (barata) que poderia ser, em princípio porque nós não temos esse contexto (mercado, ciclo, a prática e a experiência, etc) que ajude para uma construção sustentável; no entanto, em todo esse processo, a obra termina e o resíduo que há de sair dessa construção é mínimo, nós aproveitamos quase tudo.
 
No caso dos materiais locais...?
Exacto. Tudo deveria ser contabilizado, porque também contribui para a poluição e o lixo que estamos gerando num mundo que não encontramos lugar onde pôr, que está a contaminar-se e estamos a fazer crédito para um planeta onde dissemos que aplicamos políticas ‘sustentáveis’.
 
Naquela altura (2011) já dizia que, no mundo, entre 35-50% da população vive em habitações de terra. Mas como é que avalia a realidade do país (Angola) quanto ao uso de materiais locais, sobretudo o uso da terra como material de construção?
Os  novos dados/projeções(2017) publicados do último Censo populacional  calculam que já somos 28 milhões (em Angola) e 7 milhões na província de Luanda e a 2.ª província mais populosa é a Huíla; mas ainda não sabemos a relação em termos de cidade e aldeias. No entanto, consultei um relatório da UNICEF do ano 97 que dá todo o tipo de indicadores sociais, e dava os seguintes resultados: 56% de habitações de materiais tradicionais (adobe, pau-a-pique, madeira), e o 35% convencionais. E nas cidades apenas o 1% das habitações eram apartamentos. Já no ano 2000 ou 2001, Luanda tinha aproximadamente 1 milhão e 800 mil habitantes. Esses cortes históricos permitem contar as estatísticas e estudar a situação naquela altura, e percebermos que hoje essas relações diminuíram consideravelmente.
 
Hoje, pelo menos os dados definitivos do censo população, dizem que mais de 50% da população vive em zonas urbanas. Portanto, estamos a falar de cerca de 40% que vivem na zona rural, e lá está: nas zonas rurais há muita habitação/construção que não é feita em bloco de terra.
Mas considero que nas zonas rurais ainda predomina a construção em bloco de terra (adobe). O problema é que é tão reduzido que talvez chegaria a 30% do total das habitações. Agora, uma característica é que praticamente a totalidade não tem condições de habitabilidade porque apresentam muitas patologias que sem chegar a tornar a construção obsoleta, produz na família ou quem habita nela doenças ou outras consequências.

Quem acompanha o seu trabalho (os arquitectos, os engenheiros e a sociedade de uma maneira geral) vai querer saber: porquê da arquitectura de terra, porquê bloco de terra, porque não betão? Qual é a vantagem do bloco de terra?
Há várias razões, de múltiplas vertentes, e não se decide de maneira unilateral. O importante é destacar que no mundo da construção todos os materiais são úteis, mas para poder falar de sustentabilidade, é importante encontrar a melhor  utilização para cada um. Para além do estritamente técnico, podemos analisar questões económicas, sociais e antropológicas. Para mim, a razão de mais peso, é precisamente a “não-razão”, pois trata-se da emoção. Os materiais convencionais explicamo-los pelas características quantificáveis (resistência, custo, peso), mas quando queremos falar ou perguntar sobre a terra, os adobes e os materiais locais, a grande maioria, fazem referência a casa do avô, as histórias de família, as lembranças, como era grande, espaçosa e fresca. E falamos de emoções. Como qualificar ou quantificar uma emoção? Pois é… é muito difícil. Mas, por outro lado, se nós precisamos de condições de habitabilidade, porque ser transigente com isso e negar, diante de um material que não oferece as condições e ainda pior, pode fazer mal a saúde? Então, como nenhuma destas consequências estão avaliadas, podemos partir do princípio de que, se é um testemunho que passou de geração à geração e aquela geração era saudável, quer dizer que aquele material é nobre e pode apresentar soluções para determinada população. 
Nem tudo pode ser feito com terra, agora uma grande parte, uma determinada escala pode ser utilizada, porque também está bem desenvolvida, as cidades sobre uma das questões que depois vamos falar sobre a Nova Agenda Urbana, mas uma questão é clara, na cidade existem outros materiais porque há que resolver outros parâmetros e outros critérios. 

Mas, voltando á escala de uma família, quando nós construímos com materiais de betão e materiais envidraçados, e respondendo às leis e condições de segurança, podemos utilizar simplesmente 10-20% da resistência do material e as vezes até é muito; então se está a gastar muito para uma exigência que não é tanta em estrutura. Agora, há que conhecer o material, e por isso começa o trabalho quando é  em comunidade e o grupo social é que faz parte, que é do local, dá a sua experiência ou o seu contributo nisso, porque eu posso ter 1.000 livros que falem da qualidade da terra, mas não tenho nada que fale das propriedade da terra do local onde eu estou. Então tenho que começar a saber como a comunidade e as pessoas têm trabalhado com isso, que sabem, que se lembram e depois é como o processo de um arqueólogo que deve reconstruir,  tudo porque nós temos situações derivadas daquele conflito que tivemos durante tantos anos, então o que acontece? Aquele que era do Sul está no Norte, o do Norte está no Leste... cada um esqueceu como era o seu património cultural em termos de saber fazer. E mesmo copiado à perfeição o resultado pode ser bem diferente. Por que não sabem copiar? Não é por isso, mas a terra de Benguela não é a mesma que a do Huambo, a do Moxico não é a mesma que a de Luanda. Então quando começam a trabalhar dá no que dá, cada ano temos notícias de montes de casas que desabam, mas, como não vão desabar se as pessoas não têm ideia de como são os materiais? Copiaram a técnica de maneira superficial, mas não entenderam os critérios e regras fulcrais da arte e da técnica. Tem que se estudar o material, há que se dar a possibilidade de refletir.


sexta-feira, 31 de março de 2017

CONVERSA COM O ARQ. RUI LEĀO(Brevemente)


Por: C. Martinho

Nestas  “viagens  atrevidas” em busca das vozes da arquitectura pelo mundo lusófono e não só, passando por Angola, Portugal, Cabo Verde, Brasil e Argentina, desta vez, fomos parar virtualmente no continente asiático, quinta-feira(27/03), propriamente em  Macau afim  de conversar com o conceituado arquitecto Rui Leão, na sequência dos contactos mantidos por ocasião da sua aula magna em Luanda, organizada em Dezembro transacto pela Ordem dos Arquitectos de Angola. 

Rui Leão é cidadão macaense bastante ocupado,  estando neste momento  a terminar um Doutoramento, é actualmente o Presidente do   DOCOMOMO/Macau, cuida do seu  Atelier, está a dar aulas em Hong Kong, é  Presidente CIALP(Conselho Internacional dos Arquitectos de Língua Portuguesa)  para além de fazer consultoria ao  Governo local, porém apesar da sua agenda apertada concedeu parte do seu precioso tempo para abortar temas de interesse à classe, com maior enfoque para a questão do arquitecto e a cidade, analisando o seu papel alargado na diversidade de sociedades  que compõem os Países de expressão portuguesa, as relações com o ensino, a cultura e aquilo que se pode considerar boa arquitectura.

O nosso interlocutor não deixa de lançar um breve  olhar sobre a arquitectura e a cidade de Luanda, que actualmente lhe parece  “mais mansa”, considera que, há quatro anos anos quando visitou a capital de Angola pela penúltima vez, “havia alguma disfuncionalidade” em termos de mobilidade urbana, tecendo comentários pertinentes sobre o alargamento da marginal de Luanda e as implicações/impactos que esta intervenção acaba por conferir à grande Luanda, incluindo a parte informal.

Rui Leāo cita os exemplos de  Hong Kong e do Brasil(CODAB) como referências com as quais podemos todos aprender em matéria de gestão urbana sustentável , sem deixar de destacar a sua experiência de intervenção urbana em Macau muito marcada pelo Plano do Arquitecto Manuel Vicente que considera um profissional excepcional e os desafios de lidar com a exiguidade de espaço numa cidade em franco crescimento quer económico como urbanístico, realçando as semelhanças culturais com Angola e Portugal, reflectidas nas linhas sinuosas da baía de Macau.

Enquanto presidente do CIALP o nosso entrevistado comenta de forma breve as formas de implementação das recomendações da extensa  Agenda Urbana,  saída da conferência do Habitat III, tendo  realçado  programas que visam proporcionar arquitectura para todos, com projectos de estágios que passam pelo voluntariado por parte dos arquitectos, de apoio com assistência técnica para  a construção de habitação de interesse social, daí que considera que os arquitectos “podem fazer a diferença”, com planos feitos “de baixo para cima” mas avisa que não basta ter um Plano Director para resolver os problemas da cidade, propondo a revisão da legislação urbanística por supostas incongruências.

Sobre o ensino da arquitectura Rui Leāo, considera a necessidade de  reforma que não passa apenas pelos planos curriculares, entende que cada vez mais as escolas de Arquitectura não estão “vocacionadas a pensar e questionar as coisas” daí que sugere  “ir buscar arquitectos dos atelieres e pô-los a dar aulas de projectos” porque compreende que aí o “conhecimento está realmente vivo”, pois segundo ele “se tenho professores que nunca projectaram eles têm muito pouca coisa a ensinar” limitando-se a reproduzir aquilo que leram. 


Não deixe de seguir a grande entrevista com o Arq. Rui Leāo, trazendo uma variedade de temas de seu interesse, que publicaremos brevemente.



quarta-feira, 29 de março de 2017

“A SIMPLICIDADE É DOS CONCEITOS MAIS DIFÍCEIS DE ATINGIR, É MUITO EXIGENTE"


Por: C. Martinho

Nesta última parte da conversa, o arquitecto  arquitecto Vity Nsalambi justifica as suas declarações segundo as quais a produção arquitectónica do pós-intendência  em Angola  será objecto de estudo mesmo que seja para “ver como não se deve fazer”, numa apreciação crítica  em relação a  matéria,  embora reconheça alguma qualidade em certos projectos “de pequena escala” concebidos por arquitectos nacionais, reiterando a ideia de que “arquitectura é acima de tudo cultura”;

O nosso interlocutor  apresenta a sua apreciação sobre as recomendações das Nações Unidas na Nova Agenda urbana,  em particular a que tem a ver com as cidades compactas e propõe que olhemos para a nossa realidade, estudemos os  problemas locais e façamos as nossas recomendações. Vity Nsalambi, enquanto membro da direcção da Ordem dos Arquitectos de Angola replica  às criticas que esta instituição tem sido alvo, fazendo um apelo para promover a união da classe, e por fim faz recomendações/sugestões aos professores e estudantes de arquitectura bem como os próprios arquitectos.

Aconselhamos  a leitura integral desta parte da entrevista(muito esperada pelos usuários  desta plataforma) por fazer uma abordagem transversal de temas candentes atinentes à boa arquitectura, a  sustentabilidade, ensino da arquitectura e outras matérias. ACOMPANHE;

Referindo-se à arquitectura  produzida  nos nossos dias, o que quer dizer quando afirma que será objecto de estudo  “ nem que seja para ver o que não se deve fazer”?
Existem inúmeras construções que atropelam princípio básicos da arquitectura, nomeadamente, a concepção de encontro com o modo de vida das populações / cultura, que está directamente ligada às características do lugar, as soluções em termos de materiais - o uso abusivo e desapropriado do vidro, bem como a maneira como a ocupação do território é feita, ou seja, a falta de uma distribuição cuidada e acompanhada da funções no território; farão com que, ao longo do tempo, as consequência resultantes obriguem-nos a um conjunto de medidas de correcção. E que, não sei se teremos disponibilidade de recursos e opções para solucionar o problema. É muito complicado, uma vez incorrectamente ocupado o território, reverter os efeitos negativos, quer do ponto vista social, económico-financeiro, como ecológico.

Com base nos pressupostos que mencionou, será que não é possível  apontar exemplos de boa arquitectura produzida no país depois da independência?
Temos alguma boa arquitectura. Não consigo lhe indicar edifícios específicos especialmente de referência, mas tenho estado a ver colegas nossos, arquitectos angolanos, que têm estado a produzir edifícios com uma arquitectura que tem qualidade. Pode se notar alguma carência do ponto de vista identitário, mas com relação aos outros aspectos que a arquitectura exige, que respondam ao clima, a funcionalidade, nestes aspectos temos alguns... embora não consiga  indicar algum de referência...

Isto por si já revela algum défice....
Considero que sim. Temos interessantes soluções de pequena escala... é preciso entender que quando estamos a falar de arquitectura não estamos apenas a nos referir a grandes projectos; posso fazer um projecto de qualidade numa simples moradia, aliás é dos espaços mais exigentes. 

 Olhando para, Angola e Luanda em particular, na forma como as cidades hoje vão crescendo, o que lhe parece? Como encara  a grande pressão sobre Luanda,  o êxodo populacional e o que  devia ser feito em matéria de estudo e definição urbanística, para evitar a macrocefalia urbana (haver uma grande cidade que é o centro de quase tudo)?
O que penso, e muita gente concorda, é que a solução dos problemas de Luanda não começa em Luanda. Por mais que não queiramos é preciso olhar para o reforço das políticas do Estado, porque tudo passa por aí, uma vez que, no fundo, só o Estado tem esta capacidade e depois todas as outras instituições, cada uma à sua medida com aquilo que pode vai dar o seu contributo, mas é necessário que se reforcem/melhorem  as políticas públicas para permitir que estas pessoas que ainda estão nos outros centros urbanos que lá permaneçam (não venham para Luanda), e depois criar condições para que estes outros centros urbanos, nas outras Províncias, se tornem atractivos. Repare que nós temos agora um grupo de recém-licenciados que vai querer emprego. Enquanto não tiverem família, se aparecer uma oportunidade no Cunene ele irá, mas quando tiver família, já vai olhar para todas outras condicionastes, então é necessário olhar nesta perspectiva.

Repare que falamos de Luanda, Luanda...Luanda! Luanda é a capital de Angola mas não deve ser considerada a única jóia urbana do País. Então é preciso desenvolver também outros estudos, porque a um ritmo menos acelerado, o mesmo fenómeno que vivemos em Luanda também estamos a viver a nível dos outros centros urbanos como Lubango, Benguela e Huambo. Então temos que ir fazer estudos também à estes outros centros urbanos ao nível das academias, fazer com que sejamos ouvidos, e conjugar estes estudos ao reforço e produção de políticas públicas, como já referido. Temos que olhar para outras localidades. Nós tínhamos aqui um sistema de trabalho que era interessante, a nível de defesa de trabalhos de Arquitectura e Urbanismo,  fazíamos intervenções nas outras províncias. Deixamos de o fazer, por uma questão de custos também, mas é preciso continuar estes processos, sair de Luanda e  estudar outras partes de Angola, do edifício à cidade e vice-versa.

O tema sustentabilidade continua na Nova Agenda Urbana. Acha que a sustentabilidade na nossa realidade é tangível(chegamos lá) ou é mera “palavra de ordem”?
Chegarmos lá, depende da escala. Mas sem dúvida , enquanto professor, a sustentabilidade em primeiro lugar, não  olhando apenas para a sustentabilidade em si, mas sim aliada à arquitectura. O grande problema é que faz-se hoje da sustentabilidade uma palavra de ordem, tudo e por nada, mas se a palavra “sustentabilidade” não estiver associada a outro  termo, acaba por dizer tudo ou não dizer nada. Há dias estava a conversar com um grupo  de amigos (engenheiros) e alguém estava a dizer: “ agora temos que nos virar para arquitectura sustentável” e eu disse:“está  bem, a arquitectura tem que ser sustentável, e é sustentável... se não for sustentável deixa de ser arquitectura”.
Ilustrei  com uma estória engraçada : “ Imaginem, que em determinado tempo somos todos pássaros, todos nós voamos porque temos uma estrutura óssea e penas que nos permitem voar. Mas depois chega alguém que nos influência, com alguns interesses inconfessos, e nos diz que não precisamos voar (embora voar faça parte da nossa natureza e essência). Como já não precisamos de voar, somos incentivados até a tirar as penas. Então vamos nos adaptando e depois começamos a perceber os males todos por termos seguido este caminho. Lá depois, já desorientados, passado muito tempo, alguém chega e diz: ‘não, vocês agora têm que ter penas , têm que voar’. Deixamos de nos chamar pássaros e passamos a chamar-nos outra coisa qualquer/diferente, porque parece que alguém fez uma descoberta formidável” "Quem não sabe de onde vem, não entende para onde vai". Ou seja, perdeu-se o caminho e estamos a procurar formas de voltar.

Mas também temos que convir que há por aí uma “arquitectura” que não respeita os pressupostos da sustentabilidade, quer do ponto de vista social/cultural, económico como ambiental....
Não é arquitectura. Talvez sejam meras construções... sem sentido algum. Quando falamos de sustentabilidade vamos deixar de ver algumas  das torres envidraçadas que andam aí a aparecer. Se eu tiver que desenvolver o projecto de uma escola para uma comunidade, a intenção do arquitecto deve ser cada vez mais virada para a comunidade. O arquitecto deve deixar de ser “técnico de saltos altos”, temos que nos virar para a comunidade. Segundo algumas  estimativas, apenas um pouco mais de 2% da população mundial beneficia-se directamente dos serviços de um arquitectos. Quer dizer, se me pedem para fazer um projecto para uma comunidade, e se eu quiser oferecer este serviço atendendo a sustentabilidade como questiona e olhando para os parcos recursos normalmente disponíveis, tenho que pensar que vou produzir esta arquitectura com o material que está disponível, refiro-me a sustentabilidade económica. Porque isto vai implicar optimização de custos. Depois analiso: “ porquê não envolver esta população no trabalho? ”Primeiro, eles vão se rever no projecto e depois de terminada a obra, terei conseguido gerar conhecimento e saber para o autoemprego - sustentabilidade social - porque vão criar postos de trabalho, através de pequenas empresas e poderão ajudar os outros. Se olharmos por esta via, conseguiremos ver os vários pilares da sustentabilidade ali reflectidos. 

Como encara a estética, a técnica e a arte na arquitectura? Já ouvi aqui no vosso departamento  que “ o arquitecto não é artista”....como encara tudo isso na produção da boa arquitectura?
O arquitecto é arquitecto. O arquitecto  não é artista e nem  é engenheiro. A Carta Universal do ensino da arquitectura defende a formação do arquitecto como aquele técnico que tem uma visão holística das coisas, quer dizer que acaba por ter um pouco de todas estas áreas para permitir que ele possa então traduzir arquitectura. Volto a dizer, arquitectura  é acima de tudo cultura. A estética, a técnica ou até mesmo a arte têm base cultural. Traduzem a forma como se vê ou se pretende que seja visto o mundo, quer como resposta ou como busca. Arquitectura consiste em poder exprimir por meio do espaço construído ou da paisagem, em resposta à uma necessidade objectiva ou subjectiva - material ou imaterial, a cultura ou modo de vida das pessoas em conformidade com as condicionantes do lugar. Agora, sem dúvidas que há varias escolas e estas têm determinadas correntes que resultam de processos históricos, uma série de situações sociais  vivenciadas que direcionaram a produção arquitectónica de determinada forma. Mas volto a dizer: nós temos que olhar para dentro para determinarmos o caminho adequado para nós. 

Como avalia a corrente feita na universidade Agostinho Neto, inserida numa Faculdade de Engenharia?
Estamos inseridos numa faculdade de engenharia e por força disso, sempre tivemos uma carga técnica muito forte mas não deixamos de ter o outro lado:  a parte das ciências humanas, antropologia e sociologia por exemplo, para termos uma noção da realidade das pessoas para quem vamos projectar e temos disciplinas que nos permitem despertar e desenvolver a criatividade e mais valências, e utiliza-las em resposta àquilo que são os anseios e a cultura das pessoas.

Quando observo os projectos de fim de curso deste ano, verifico que muitos são bastante simples,  não são coisas exuberantes que estamos acostumados a ver  nos trabalhos académicos do nível da licenciatura (estamos a abordar isto numa perspectiva positiva). Quer comentar?
Já há alguns anos que esta tem sido a postura do Departamento. Eu lecciono a cadeira de projecto de arquitectura e urbanismo do 3º ano há cinco anos e a perspectiva tem sido a mesma. A experiência que comecei a fazer foi de desenvolver trabalhos de pequena escala, porque a qualidade do projecto não se mede pela sua dimensão, mas sim pela qualidade do projecto em si, nos aspectos que têm a ver com a funcionalidade, nos aspectos tecnico-construtivos, no respeito aos aspectos ambientais e outros.. Antes,  o que acabava por acontecer, inúmeras vezes, era que o estudante fazia um projecto muito grande, tinha dificuldade de terminar e sustentar o que estava a fazer. O estudante tem que perceber o processo do projecto de “A” à “Z”, para ele compreender as etapas pelas quais passa o desenvolvimento do projecto, as implicações que têm cada uma delas, a relação do projecto e a obra e a responsabilidade do arquitecto...Se o arquitecto não percebe isso vai pensar que arquitectura é só desenho.
 Acho Interessante ter dito "simples... numa perspectiva positiva" A simplicidade é dos conceitos mais difíceis de atingir, é muito exigente,... o simples é o sofisticado... Não se deve confundir o simples com o básico ou primário. Basta recordar os exercícios matemáticos de simplificação.  

O arquitecto Jaime Lerner diz que a beleza da arquitectura está na sua simplicidade...
Estou de acordo. A beleza da vida está na simplicidade... Quando conseguimos traduzir o projecto de maneira simples, quando as pessoas conseguem perceber que há simplicidade quer dizer que conseguimos atingir um nível muito alto.

A ordem dos arquitectos é muitas vezes chamada, às vezes criticada por muitos acharem que devia fazer mais, ser mais activa para ajudar os associados a fazer actualização nos seus conhecimentos. Fizemos um apelo recentemente para que abordemos  a nova agenda urbana em seminários. Enquanto parte da direção da ordem  como encara tudo isso?
O que eu penso é que infelizmente, de um tempo a esta parte, nós temos sentido  esta tendência de se achar que o jardim do outro é ou devia ser mais ou menos verde, sem nada fazer para ajudar. Primeiro, a Ordem somos todos nós. Nós somos apenas um grupo de arquitectos que na situação ou neste momento está a frente dos destinos da Ordem dos Arquitectos que deve ser encarado como um projecto colectivo que envolve todos os associados. Portanto, todas as sugestões, todas as ideias e críticas são bem-vindas. Devem sim, ser devidamente endereçadas à quem de direito para que se possa melhorar. Sabemos também que não somos detentores de todo o conhecimento. Por outro lado, é importante perceber que estamos a falar de uma instituição em que muitas coisas para serem feitas é necessário criar bases. O que as pessoas não percebem é que nós estamos a fazer as "fundações": quando se está a edificar, todo mundo vê apenas tapumes e não percebe o que está ser feito por dentro. Mas depois de algum tempo, do lado de fora, és  capaz de ver  o homem que está a colocar a caixilharia de alumínio e não te lembrares que houve alguém que esteve a fazer as fundações... Coisas próprias da sociedade... 
 Nós estamos a trabalhar muito a nível destas bases, criar instrumentos que permitam que as coisas possam acontecer. Temos tido muitos desafios; um deles  é que temos muito trabalho e poucas pessoas disponíveis de facto. Temos contado  com a disponibilidade de alguns colegas para questões pontuais sempre que possível. Para estes, fica aqui a minhas palavras de apreço. Mas para as actividades correntes tem sido difícil contar com mais colegas. 

Com relação a parte da formação, nós também temos estado a trabalhar nisso, mas como disse é preciso criar bases. Por exemplo em 2015  fizemos um contacto com o Centro de Formação da Empresa Teixeira Duarte, no sentido de termos alguma parceria mas não conseguimos chegar a um acordo. Fizemos outros contactos também não concretizados  pelo facto de termos que olhar para todas as componentes: quem é o arquitecto que vai participar desta formação? Será que já está empregado ou não? Estará  a trabalhar por conta própria? Será  o arquitecto recém-licenciado, e que muitas vezes não tem recursos para pagar valores para esta formação?

Voltamos agora à carga com este novo mandato, em que criamos uma área específica para os estágios profissionais que esperamos  ajude a resolver parte da questão. Com relação à formação continua dos arquitectos, estamos a fazer contactos para que possamos trazer técnicos para cá, que possam formar arquitectos locais como formadores em determinadas áreas e aí então criar bases para o arranque do processo. Voltamos à sustentabilidade... 

Tomamos conhecimento de um projecto da Ordem em potenciar alguns escritórios para promover os estágios profissionais para recém-formados. Como está este processo?
Nós havíamos criado uma equipa para proceder o levantamento dos ateliers e definição das bases para o programa de estágios já no mandato anterior,  mas ficou o trabalho mal parado . Como disse, com a criação de uma área específica com esta finalidade, temos condições para que as coisas sejam diferentes, funcionem finalmente e mostra a preocupação com esta matéria. 

Hoje discute-se muito a pertinência das cidades compactas versus verticalização.  A compacidade é um principio  recomendado pelas nações unidas (UN-HABITAT), tendo em conta as múltiplas vantagens dos vários pontos de vista, mas também questionam-se os seus inconvenientes  das pessoas “apinhadas” em espaços de alta densidade. O arquitecto Gameiro defendeu recentemente a cidade dispersa apesar das suas desvantagens. Qual o seu parecer?
Eu defendo que é preciso lembrarmo-nos  que cada realidade é uma realidade. Podemos ir para soluções mais compactas ou menos compactas, ou ainda mais dispersas, mas em todas elas o fundamental é garantir a distribuição equilibrada das funções  no território. Estou a falar da aproximação dos equipamentos e serviços com qualidade às populações para optimizar o trajecto que as pessoas fazem. 
Repare que, por exemplo, eu vivo em Cacuaco, para poder ter  acesso a espaços onde  possa caminhar, correr ou até mesmo andar de bicicleta e sentir-me satisfeito, tenho que ir à marginal - centro da cidade; Portanto, em vez de nos prendermos simplesmente para aquilo que as Nações Unidas defendem, é preciso que nós realizemos outros estudos, debatamos e vejamos  a nossa realidade;  porque o problema que o europeu tem de racionalização de espaço não é igual ao nosso. É verdade que não podemos abusar, mas até onde podemos e não podemos ir? Nós temos que também produzir as nossas próprias recomendações. Temos estado a assumir problemas e proposta de soluções que, muitas vezes, não são nossos.

O que se passa com a produção bibliográfica pelos arquitectos? Temos muito pouco livro de arquitectura produzido por angolanos.
De uma maneira geral, a  produção da bibliografia passa um pouco também  pela formação. Nós temos que rever também o nosso sistema de formação. Temos que rever até que ponto formamos as pessoas para pensarem. Estou a falar desde a base, porque nós hoje vemos um estudante que está na Universidade mas não tem pensamento crítico, o que mais faz é reproduzir...como é que vai escrever? Nós procuramos fazer a nossa parte em despertar a consciência das pessoas para o  sentido crítico. 
É necessário também que as instituições de ensino superior façam revisão das suas políticas  de promoção, produção, gestão e divulgação dos conteúdos académicos. Nós temos alguma produção científica a nível das instituições do ensino superior e que muitas vezes fica atirada à própria sorte.. É fundamental que sejam disponibilizados e nos apliquemos em acções de formação de curta e média duração para ir se desenvolvendo capacidades, e consolidar conhecimentos e saberes. Enquanto não produzimos, fica a questão para reflexão e correcção. 

Adicionado à isso,  temos o problema dos hábitos de leitura que estão muito em baixo, não acha?
Estamos a falar de formação. Quem pouco lê, mal fala e pior escreve. Então é necessário incentivar os hábitos de leitura e da escrita; é necessário que se desenvolva pensamento crítico. Claro que, na equação entram outras condicionantes que têm a ver com o próprio ambiente e as condições de trabalho, mas  todos temos que começar a fazer este exercício da escrita.

Quando na introdução à aula magna do arquitecto Rui Leāo na UMA(Universidade Metodista de Angola), o que quera dizer com a expressão “fazedores do espaço” referindo-se aos arquitectos?
É na perspectiva de que o arquitecto deve ser aquele que “põe a mão na massa” ou seja, deve ter a capacidade de pensar e  de materializar. O arquitecto é aquele indivíduo que vai conferir identidade e sentido ao lugar, é aquele indivíduo que vai transformar o território; nenhum técnico tem tamanha influência directa na transformação do território quanto o arquitecto; trata-se de desenvolver habilidades - fazer..., portanto,  somos mesmo fazedores (fazer).

“Nós somos os fazedores” mas há uma produção imensa que não é feita por arquitectos. Há estudos  que calculam  que, pelo mundo, uma percentagem mínima  das edificações têm a mão de um arquitecto. Não estamos perante um contraste? Quais são as causas, na sua opinião?
Eu acredito que isso passa pela divulgação do papel do arquitecto, É preciso que o próprio arquitecto também se aproxime,  ele tem que se autopromover, tem que se colocar ao dispor da sociedade. É necessário também colocar informação à disposição das pessoas. Repare  que muitos de nós temos a informação e queremos dar uma de que nós é que sabemos, mas nós aprendemos com as pessoas, nós vamos “beber” para depois juntar os nossos outros conhecimentos. Outro aspecto importante é a inclusão, de maneira mais abrangente e efectiva, da figura do arquitecto e suas contribuições na elaboração dos Planos estratégicos e da Agenda política dos Estados,  a fim de que o alcance da sua acção profissional seja o mais alargado possível. Acredito que por esta via poderemos começar a desconstruir algumas ideias erradas sobre o nosso papel, salvaguardando a dignidade profissional, e teremos mudanças positivas nos dados estatístico actuais. 

Também tem a ver com os custos, não concorda? Contratar um arquitecto é caro.
Ninguém vive de bolhas de ar. O arquitecto tem as suas necessidade, como qualquer cidadão, tem uma profissão. Mas nós podemos fazer mais do que simplesmente pela remuneração, há pequenas acções que podemos realizar. E como disse na questão anterior, os Estados devem trabalhar para garantir às populações essa assistência do arquitecto para o maior número de pessoas possível a baixo custo, e consequentemente bem-estar, e criar instrumentos ou políticas para que não seja beliscada a dignidade e o bem-estar do técnico. 

O número de arquitectos no país não está em causa, pois não? Lemos  uma entrevista concedida pelo presidente da ordem dos arquitectos onde dizia que temos arquitectos suficientes  em angola, considerando o rácio aplicável....
Com o número de escola que temos - até final do ano passado, oficialmente 13 Escolas, estando 11 delas em Luanda - e o ritmo de formação que temos, em pouco tempo poderemos ultrapassar em todo território nacional, os números recomendados. Estamos a falar  do rácio de um arquitecto para cada dez mil habitantes. Precisamos todos (Instituições de Estado e sociedade) reflectir sobre esta matéria e traçar linhas de orientação. 

Mas em Angola temos um problema que é da distribuição dos arquitectos pelo território...estamos quase todos em Luanda;
O arquitecto é cidadão, tem família e precisa que as principais condições estejam todas devidamente acauteladas para sair de Luanda. 

Gostaria que deixasse um apelo/mensagem para os arquitectos, professores e estudantes de arquitectura;
Começo pelos professores: Ensinar é acima de tudo uma missão, ensinar é um acto de muita responsabilidade; é preciso  que nos possamos munir de todo conhecimento e habilidades necessários e orientar os estudantes para o caminho que devem seguir; com empenho, muita dedicação e investigação. Temos que deixar de lado o perfil tradicional de super-professores (poço de conhecimento). O professor do Ensino superior deve ser um facilitador ou orientador para o conhecimento; devemos desenvolver nos estudantes  o pensamento crítico.  Também considero que é necessário juntar na academia professores que tenham experiência profissional para além da academia, pois  nós formamos o arquitecto para a sociedade não para a "academia" em particular. Ou seja, não podemos ter professores só com perfil meramente "académico" - pela negativa. 

Para os estudantes: vou pedir que se empenhem de verdade, entendam que ser arquitecto implica ter um leque de conhecimentos muito grande, logo é necessário ler muito, ver muito e trabalhar muito, para desenvolver habilidades. Ser arquitecto é muito mais do que uma simples profissão, implica ter paixão por aquilo que estão a fazer; arquitectura sem paixão e responsabilidade é como um corpo sem alma e espírito. 

Aos arquitectos, nossos colegas : nós temos uma tarefa que não é fácil, precisamos não só promover a nossa imagem enquanto técnicos e conquistar ao máximo a sociedade, colocar ao seu dispor os nossos conhecimentos e quebrar alguns tabus que existem em relação ao técnico angolano. Para tal, temos que ser profissionais dedicados e responsáveis, e procurar ter capacidade para dar respostas positivas à sociedade. Isso implica, fazer formações e actualizações constantes, e ver se conseguimos cultivar a união necessária entre nós. Atenção, união  não quer dizer que todos temos que pensar da mesma forma, mas sim, trabalhar sempre para um objectivo comum: termos  uma classe de arquitectos cada vez mais forte, mais consolidada, seja a que nível for, e tocar o "barco" para frente. 

Não poderia terminar sem manifestar algumas palavras de encorajamento e felicitações à equipa que conduz este projecto "Actores da cidade e do território" por permitir à muitos, interessantes momentos de partilha de opinião.  

Bem haja aos arquitectos, bem haja à arquitectura.

(BREVE BIOGRAFIA DO ENTREVISTADO)

VITY CLAUDE NSALAMBI
Natural do Huambo, 31/03/1979.
Licenciado em Arquitectura pela Universidade Agostinho Neto (UAN), Faculdade de Engenharia (FE), Departamento de Arquitectura (DEIA) - Luanda, Angola (1998-2003).
Participação em Seminários, Cursos de curta duração, com realce para - "Gestão de Projetos de Construção - Retrospectiva e Novas Tendências" e "Arquitectura Hospitalar" (Webinários Construmarket, 2016);
Docente do Departamento de Arquitectura - FE/UAN, oficialmente, desde 2008, onde lecionou a inicialmente a disciplina de Geometria Descritiva (1.º ano) e, desde 2009, trabalha com a disciplinas de Arquitectura e Urbanismo III e IV (3.º ano). 
Professor do Ensino Médio Técnico de 2000-2013, tendo lecionado as disciplinas de Desenho Técnico - Instituto Médio Industrial "Simione Mucune", B.º Prenda, Luanda (2000-2007), Geometria Descritiva - Colégios Noesa e Santa-Ana, Vila Alice, Luanda (2003) e Tecnologia de Construção Civil - Instituto Médio Politécnico do Nova-Vida Nº2037, B.º Nova Vida, Luanda (2009-2013) onde Coordenou o Curso de Construção Civil (2010-2013).  
 
Actualmente, é membro de Direcção da Ordem dos Arquitectos de Angola (OA) - Coordenador da Área Científica desde 2013.
Membro da Comissão UNESCO - UIA (União Internacional dos Arquitectos) para o Ensino da Arquitectura (EDUCOM) e do Conselho de Validação para o Ensino da Arquitectura (VCAE) desde 2014. 
Coordenou a equipa de trabalho da OA em colaboração com o extinto Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência (CNAPED) e o Ministério da Reinserção Social, para a elaboração da Lei n.º 10/16 de 27 de Julho,  Lei das Acessibilidades.

Desde 2013, responsável pela Empresa TOUCHÉ, Lda. - Projectos, Fiscalização e Formação, onde já desenvolveu inúmeros Projectos de natureza variada. 
Colabora desde 2008 com a Empresa TECNIMED, Equipamento e Material Hospitalar, Lda. na elaboração e compactibilização de projectos de implantação de equipamentos para Laboratórios, Salas de Estomatologia, Centros de Diagnóstico por Imagem e Humanização.

De 2008 à 2012 o percurso profissional passou também pela colaboração com Empresas onde desenvolveu Projectos e trabalhos de Fiscalização, nomeadamente, REDARQ, Lda - Consultoria, Fiscalização, Projectos e Prestação de Serviços, DHÁRIUS, Consultores de Arquitectura e Engenharia, Lda., ARQUITECTURA.COM, Lda. e VISÃO ESTRATÉGICA, Arquitectura e Design, Lda.
Trabalhou na Área de Projectos da Empresa PROGEST, Projectos Técnicos, Consultoria e Gestão, Lda.(2004-2007)


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

CONVERSA COM A ARQ. ISABEL MARTINS(2ª Parte)


“O ARQUITECTO NÃO TEM QUE SER UM BOM DESENHADOR OU ARTISTA”

 


                                                               Arqª. Isabel Martins(Foto: Angop)
 
 
 
Por: C. Martinho e E. Samaria

Nesta ultima parte da conversa, inevitavelmente falamos dos estilos/correntes arquitectónicas com destaque para o “contestado” modernismo que Isabel Martins considera marcante e que está vivo, a tentar sobreviver dos anti moderno e os anti vida. A nossa interlocutora também aborda as novas tendências do urbanismo, a introdução do computador no ensino e prática da arquitectura, sem deixar de responder às questões “provocadoras” que alguns segmentos da nova geração de arquitectos têm levantado; 

 

Falando do movimento moderno e a sua relevância, há quem se questione por que razão reflectir hoje sobre um movimento dos anos 20 que foi fortemente contestado. Qual é a sua impressão sobre este assunto?

A minha impressão é que o movimento moderno foi um movimento excepcional de aproximação da arquitectura ao homem. Foi a partir de todos os questionamentos do principio do século  XX que redundaram numa série de postulados que a habitação é feita exactamente de acordo com a medida do homem. E não é por acaso que aparece o modulor, que é uma recriação porque, realmente ele foi criado por Leonardo Da Vinci, mas foi recriado no sentido de que o homem tem medidas e essas medidas devem ser aplicadas aos lugares em que trabalha para faze-lo com conforto, com alegria e os espaços estarem dimensionados de acordo com as funções que aí se desenvolvem. Por isso o movimento moderno é um movimento muito marcante.

Então, o modernismo “morreu” ou “está vivo”?

Não morreu, está vivo. Na verdade está a tentar sobreviver. Por aquilo que você hoje em dia nesses exemplos por aí que são anti movimento moderno, anti homem, essas caixas todas fechadas que você não consegue avistar a natureza, que você não consegue apanhar ar fresco na cara, porque são paredes de vidro fechadas, com ar condicionado, quer dizer, se a máquina pára você morre asfixiado sem circulação de ar. Ainda por cima, do ponto de vista estético, são monstruosos. Portanto, é muito mais delicada uma Ville Savoye, que um edifício destes, (Ville Savoye) respira por tudo quanto é sítio, tem amplas janelas, terraço jardim, tem tudo, coisa que não se vê nesta nova arquitectura;

É possível separar o modernismo puro, daquilo que hoje se chama arquitectura contemporânea?

A arquitectura contemporânea é a arquitectura das novas tecnologias. Porque esses edifícios, não funcionam se você não tiver tecnologia. E nem é o High-Tech, porque High-Tech é uma coisa diferente. Isto são tendências da arquitectura em que se você não tem màquina para as fazer funcionar, não tem arquitectura. E isso é tão  verdade que eu tenho uma casa no Miramar e não preciso ligar o ar condicionado quando está calor. São casas bem construídas...

Modernismo?...

Não é modernismo, mas  é arte de saber construir...

Falando de tendências, qual é o seu conceito de centralidade urbana?

No fundo tudo isso já está dito e  redito há muito tempo. Porque quando você  começa a ver na Europa o aparecimento de cidades satélites, está a falar de novas centralidades. O que está a acontecer com estas novas centralidades é exactamente o que se passou com as cidades satélites por lhes faltar a componente da geração do trabalho, com consequências  notórias em Luanda,  nos movimentos pendulares e na mobilidade urbana no geral.

Qual é a sua opinião sobre os planos que estão a ser desenvolvidos para Luanda?

Nunca ninguém me chamou para pedir a minha opinião , também não quero dá-la....

As primeiras gerações de Arquitectos são taxadas de serem muito teóricas e mais viradas à academia. Aqueles que têm a “mão na massa”, ou seja, os que trabalham em projecto(muitos são produto desta escola) dizem que eles estão a realizar obras. Que comentário faz sobre o assunto?

E quem vai ensinar, são eles? Vamos outra vez  importar professores para ensinar arquitectura? Hoje temos o privilegio de dizer que temos nesta escola de arquitectura apenas três professores estrangeiros. Conseguimos realmente formar pessoas que são capazes de fazer o ensino da arquitectura. Se esses têm que pôr “mão na massa”, como dizes, quem vai ensinar? Nós temos aqui alguns deles, recém licenciados, estamos a ensina-los à dar aulas. Eu, por exemplo sou  produto daquilo que é o ensino, desde o primeiro momento. Fui monitora, acabei o curso e depois fui assistente estagiaria. Portanto, acho que estamos no bom caminho.

 Professora, o que é que representa Vasco Vieira da Costa para si? Passa-se a ideia de que os professores fizeram dele o  ícone(único) da arquitectura angolana, “beatificando-o”.

Não . Vasco Vieira da Costa não  é o ícone/único  da arquitectura angolana. O que acontece é que temos de falar e fazer justiça à aqueles que tomaram Angola como o seu País, primeira questão. Segunda questão, aqueles que realmente desenvolveram neste País, uma arquitectura de referência. E Vasco Viera da Costa está entre eles. Mas também tem o Simões  de Carvalho, tem o Castro Rodrigues......arquitecto Campino entre outros.

A arquitecta Manuela da Fonte diz que “ A arquitectura de Angola tem muitos pais e mães” está de acordo com esta afirmação?

Estou, é claro! Porque é preciso saber distinguir aquilo que significa alguma coisa na arte de projectar e construir e aquilo que é igual ao Zé Maria da esquina. Porque quando se fala destas pessoas, você está  a encontrar alguma coisa que não  é comum. Mas também há outros  exemplos, estou agora a lembrar dos irmãos Cirilo que construíram o cinema Miramar.

Para si quais são os arquitectos de referência  que se tenham  destacado em Angola no pós-independência?

 Não estou lembrado de ninguém com um trabalho interessante[risos]....

E em África?

Ao nível de África  tenho como referência o arquitecto Egípcio Hassan  Fathy que realmente valorizou a sua formação de arquitecto na recolha de materiais de construçao e também na aplicação dos princípios tradicionais da vida dos egípcios. Ele, de facto, é um arquitecto fora  de série.. É um arquiteto que esteve no movimento moderno quando tinha que estar, mas que se dedicou completamente à arquitetura dos pobres.

Já para irmos encerrando a nossa conversa , quer falar um pouco sobre a introdução  do computador no ensino e prática da arquitectura, para efeitos de desenho rigoroso e a relação  disso com o desenho à mão?

O que eu devo dizer quanto a isso  é que o arquitecto não tem que ser   bom desenhador. O arquitecto produz criatividade, cria. O que é preciso é mostrar essa criatividade. Porque eu posso criar dentro da minha cabeça coisas fantásticas, mas se não as reproduzir, ficamos na mesma. Ou tenho um compincha que entende as minhas criações ou lucubrações e que consegue reproduzi-las ou não. Isso para dizer que o arquitecto não tem que ser um artista. Ele tem que saber reproduzir num papel as ideias que tem. E se tem meios que facilitem essa reprodução , que as utilize. Nós estamos na época das máquinas. Agora, você tem que aprender  o desenho que o arquitecto utiliza, que é o desenho técnico rigoroso. E depois quando souber utilizar esse desenho, não há problema nenhum em utilizar a máquina.

O espaço rural parece não ser alvo de estudos profundos no domínio da arquitectura, como acontece com a cidade. O arq. Claudio Carlos defende a necessidade de olhar para o ruralismo com maior seriedade, que podia ser um factor de equilíbrio para contrapor a pressão sobre o meio urbano. Qual é a sua apreciação?

Realmente não se houve falar muito do espaço rural na arquitectura porque as pessoas não têm interesse. Mas no nosso plano curricular existe  preocupação  com o espaço rural de tal forma que no terceiro ano nós fazemos vivenda urbana e vivenda rural. Porque a arquitectura não está só na cidade, mas é difícil as pessoas saírem desta cidade…

Para terminar , quer deixar uma mensagem para a classe?

 

Que  sejam arquitectos com “A” grande. É isso que eu desejo e que acima de tudo está o conforto e o bem-estar do homem.